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Annie Hall à procura de Mr. Goodbar



Que Diane Keaton é uma das grandes atrizes de sua geração não é novidade para ninguém. Inúmeras vezes indicada a vários prêmios por suas atuações no cinema, ganhadora do Oscar, do Globo de Ouro e de outros vários troféus, Diane não explodiu no cinema da noite para o dia. Sua carreira foi se consolidando aos poucos. Mas o que pretendo com esta postagem não é contar a biografia de Diane e nem enumerar seus tantos êxitos como atriz. O que quero é falar de duas atuações em especial, que sempre me causaram espanto (no bom sentido).

Diane Keaton em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa"

Em 1969, Diane conheceu Woody Allen quando fazia testes para um papel em sua peça Play It Again, Sam (filmada como Sonhos de Um Sedutor). Diane ganhou o papel, os dois apaixonaram-se e viveram juntos por dois anos. A partir de então, tornaram-se grandes amigos. Em 1972, Francis Ford Coppola escalou a atriz para o papel de Kay Corleone em O Poderoso Chefão (The Godfather), e ela voltaria a interpretar o papel nas duas seqüências do filme. Até aí, nada de muito impressionante. Diane viveu a esposa de Al Pacino e seu papel se resumia a pedi-lo de vez em quando que parasse de matar pessoas e passasse mais tempo com as crianças. "Pacino estava ótimo. Robert De Niro estava ótimo. Eu era pano de fundo", disse Keaton à revista americana Time, nos anos 70.

Seu relacionamento amoroso-profissional com Woody Allen rendeu ótimos trabalhos na fase inicial do diretor, mas tanto a consagração de Woody quanto a de Diane veio de fato em 1977 com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall). O filme vai bem além da simples comédia ao estilo americano. Foi quando Keaton começou a quebrar o estigma de comediante que a acompanhava desde o início da carreira. Ganhou o Oscar de Melhor Atriz e o Globo de Ouro, além de vários outros prêmios só por esse filme. Foi um dos mais comentados daquela década, vencedor de 4 Oscar importantes (Melhor Filme, Diretor, Atriz e Roteiro Original).

Mas o que impressionou mesmo foi a mudança de
Diane Keaton em "À Procura de Mr. Goodbar"
gênero brusca na carreira de Diane naquele ano, prova marcante de sua versatilidade e capacidade. Naquele mesmo ano, ela protagonizou À Procura de Mr. Goodbar (Looking For Mr. Goodbar), de Richard Brooks, um drama impactante sobre as conseqüências trágicas da liberação feminina nos anos 70. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa estreou nos cinemas americanos em abril de 1977 e À Procura de Mr. Goodbar estreou em outubro daquele ano, exatamente seis meses depois. Indicada ao Globo de Ouro por seu papel no filme, Diane pulou da comédia astuta e com toques de romantismo de Woody Allen para a triste e chocante narrativa de À Procura de Mr. Goodbar.

Pode-se dizer que nos dois filmes Diane interpretou mulheres modernas, que foram atrás de independência profissional, financeira e emocional. Sem que com isso precisassem negar suas carências, fragilidades, contradições e anseios. Mesmo nem sempre tendo conseguido o que desejavam, não se pode negar que lutaram pelo que acreditavam e não se curvaram diante da sociedade ainda machista e conservadora da década de 1970. Diane é Annie Hall no filme de Woody Allen e Theresa Dunn no filme de Richard Brooks. Ainda que ambas sejam personagens femininas marcantes, são completamente diferentes. É até difícil assistir aos dois filmes e imaginar que foram filmados quase na mesma época, o que torna as interpretações de Diane ainda mais impressionantes.
Como a professora Theresa Dunn em "Mr. Goodbar"
Em Mr. Goodbar, Theresa Dunn é uma professora católica e reprimida de crianças surdas. Em meio à revolução sexual nos anos 70, ela descobre seu próprio apetite por prazer carnal mas tenta deixá-lo apenas no plano físico, evitando qualquer tipo de envolvimento emocional. O tempo vai passando e as caçadas noturnas de Theresa por bares e discotecas passam a atraí-la cada vez mais, a ponto de colocar seu trabalho diurno - onde ela sempre se destacou - em risco. No entanto, quando ela cai em si, já é tarde demais. Baseado no livro de Judith Rossner (que por sua vez se baseava em uma história real), esse filme deveria ser o responsável por tornar Diane Keaton uma "atriz séria", mas ela acabou levando o Oscar mesmo por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa naquele mesmo ano. (Curiosidade: Mr. Goodbar foi a estréia de Richard Gere no cinema).

Richard Gere e Diane Keaton em "Mr. Goodbar"
"Eu não sabia se Diane tinha o alcance necessário", disse o diretor Richard Brooks na época em que o filme foi lançado. "E eu estava com ela em meu escritório pensando nisso, que ela não é exatamente o que você chama de uma grande beleza. Então me veio o estalo: a história é justamente sobre uma moça assim, bonita, sexy, mas não a mais bonita da classe. Alguém que passaria quase despercebida".

Brooks e Keaton mudaram a personagem Theresa perceptivelmente. Judith Rossner, autora do livro [publicado no Brasil com o título De Bar em Bar], a descreveu como uma mulher fria, meio desagradável, mas a Theresa de Diane Keaton é amável e afetuosa, especialmente na relação com sua irmã (vivida por Tuesday Weld).

Woody Allen e Diane Keaton em "Annie Hall"
Annie Hall é uma cantora em início de carreira, um tanto quanto ingênua mas inteligente, embora quase sempre confusa. Às voltas com o namorado Alvy Singer, os dois estão sempre discutindo a relação e tendo cada vez mais dificuldades na vida a dois, com interesses e expectativas que começam a divergir após certo desgaste na convivência. Mas os dois se amam e não conseguem ficar longe um do outro. É lógico que reduzir o filme a isso seria simplificá-lo demais. É preciso assisti-lo para ver o quanto é genial, cheio de diálogos inteligentes e recursos que o deixam ainda mais engraçado. E olha que desbancar Guerra nas Estrelas (Star Wars) na disputa pelo Oscar de melhor filme do ano não deve ter sido fácil. É até difícil hoje em dia imaginar isso, já que vivemos a era das megaproduções hollywoodianas em 3D e diálogos inteligentes não mais atraem grandes bilheterias...

Enquanto Noivo Neurótico, Noiva Nervosa te deixa com um sorriso melancólico porém romântico no canto dos lábios, com aquela vontade de embarcar em uma relação amorosa e viver todos os seus altos e baixos, À Procura de Mr. Goodbar é uma experiência desconfortável em termos de relações humanas. O primeiro filme é lotado de diálogos e monólogos rápidos, cheios de sabedoria e referências culturais e intelectuais, enquanto o segundo é um filme lento, com várias cenas sem falas e por vezes até meio arrastado.


A edição de 26 de setembro de 1977 da revista americana Time, que teve Diane Keaton na capa, publicou uma extensa matéria sobre a atriz e seus dois filmes daquele ano. E propôs um questionamento:  "Theresa é muito segura para que seja possível acreditar que seria vítima de sua própria alienação? O humor que ela demonstra reflete muita sanidade? Pior, reflete muito de Annie Hall?". Fica a pergunta. Os dois filmes são imperdíveis. Basta assisti-los e tentar responder. Isto é, se alguém conseguir. 

2 comentários:

Karine disse...

Nossa, a lista de filmes aos quais eu quero assistir está ficando imensa! hahaha Valeu pelas dicas, Daniel :) Eu gosto muito da Diane Keaton, pois além de ser uma excelente atriz ela não se rendeu ao bisturi (e nem se deformou) como outras atrizes famosas.

Abração!

Daniel Couri disse...

Relaxe, Karine. Minha lista de filmes também aumenta todos os dias! Sobre Diane Keaton, é uma das minhas favoritas (assim como Meryl Streep), só para citar as que ainda estão na ativa. Coisa rara atrizes que não se rendem ao bisturi hoje em dia.

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