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O conforto da boa e velha comida

Até que enfim uma “facção” da sociedade parece recobrar o juízo. Sim. Porque eu, como glutão de plantão (com o perdão da rima infame e desproposital) não agüento mais ouvir falar dos esquisitos e inovadores tipos de culinária que surgem a cada estação. E os modismos se espalham com tamanha rapidez que às vezes temos a sensação de estarmos sempre atrasados ou por fora das tendências. E por falar nelas, a nova é a “comfort food”. Nome esquisito, não? Parece marca de colchão ou de amaciante de roupas. Trata-se, na verdade, do que chamamos de comida emocional, pois desperta sensações agradáveis e evoca o prazer e o bem-estar ligados à infância ou a história de vida. Essa culinária começou a se popularizar no Brasil e congrega em si uma idéia oposta à racionalidade dos alimentos funcionais, nos quais os benefícios à saúde são o chamariz. Por Deus, não! Vamos esquecer as dietas saudáveis ao menos por um instante. Por que essa ditadura que proíbe pão, biscoito, bolo, açúcar, óleo, frituras e tantas outras delícias? Tudo bem, é importante não exagerar, é importante cuidar da própria saúde. Mas as pessoas estão ficando paranóicas. Estão sabotando receitas maravilhosas do tempo das avós e bisavós, cortando sal, açúcar e gordura. Os insossos pratos que nos empurram hoje em dia são o supra-sumo do sem graça. E é por isso que a comfort food faz sucesso e ganha novos adeptos a cada dia. Ela não tem a pretensão de ser algo inédito nem revolucionário: é simplesmente a redescoberta de prazeres culinários que foram condenados pela atual onda saudável e ficaram perdidos nas lembranças de tempos passados. Só para citar alguns exemplos dessa evolução (ou involução, como preferirem), a partir dos anos 70 a nouvelle cuisine francesa estava na crista da onda. Era uma reação à cozinha tradicional. Os pratos eram elaborados em pouco tempo, com molhos mais leves e menores porções (bem menores, diga-se de passagem) e apresentados de forma refinada e decorativa. Mas agora o último grito da moda gastronômica é a tal de culinária fusion (de fusão), tendência que mistura de tudo, com predomínio de ingredientes asiáticos e um forte toque americano. Marcos Emílio Gomes, coordenador do projeto O Melhor da Cidade, da Revista Veja, define de forma objetiva essa culinária: “é aquela em que você come pouco, paga muito e não consegue identificar se o que está no prato é animal, vegetal ou mineral”. Em contrapartida, o ressurgimento da comfort food foi algo natural. Digo ressurgimento porque esse tipo de comida não foi inventado agora, sempre existiu. Só andava meio esquecido (para não dizer execrado). Ora bolas, comer é um dos maiores prazeres da vida e estão tentando justamente transformar esse prazer um uma dieta quase hospitalar. Tudo devidamente glamurizado, claro, para termos a impressão de que estamos comendo a comida mais chique e mais saudável do mundo. Ledo engano. As pessoas gostam exatamente do contrário, das coisas mais simples, do que é mais singelo, do que vem do coração. E já andam dizendo por aí que a comfort food age no cérebro como o namoro e ajuda no combate à depressão. Por essa os nutricionistas não esperavam. Puxe pela memória: o quindim que você comida na sua infância, o torresmo, a farofa de ovos e banana, o sonho de padaria, o pastel de queijo, a costelinha assada, a polenta frita, o brigadeiro de colher, o empadão de frango, o pão com manteiga, a sopa de feijão e por aí vai... A lista é quase interminável e o prazer idem. E, ao contrário do que pregam os guias de gastronomia, não tem preço. Mas as lembranças evocadas pela comfort food são as mais caras. Aprecie sem medo de ser feliz.
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