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Literatura apimentada em versão fast food


Cinquenta tons de cinza, o fenômeno literário do ano escrito pela britânica E.L. James, vendeu 40 milhões de exemplares rapidamente. Romance erótico com toques de sadomasoquismo, o livro consagrou sua autora como a inventora de um novo (?) gênero que mistura romance açucarado e erotismo pretensamente transgressor.

O mérito literário de E.L. James não vem ao caso. O curioso é que muito antes desse modismo gerado por Cinqüenta tons de cinza, leitores do mundo todo já tinham seus momentos de "prazer proibido" com os livros do americano Harold Robbins. Quando começou a ser publicado aqui no Brasil, Robbins era um ilustre desconhecido. Numa jogada esperta para atrair leitores e realçar o teor caliente dos livros, a editora Record usou um artifício recentemente admitido: o nome de Nelson Rodrigues como tradutor.

Os mais radicais chamam de fraude, outros acham quem a estratégia não passou de uma malandragem inocente, coisa dos distantes anos 60/70. Mas o fato é que Nelson Rodrigues nunca fez muita questão de esconder que não falava nada de inglês (nem de qualquer outra língua além do português).



Na biografia O anjo pornográfico, Ruy Castro conta que a ideia fora de Alfredo Machado (dono da Editora Record na época), para "ajudar Nelson a faturar um dinheirinho fácil. Mas era também muito conveniente para sua editora: ao ler 'Tradução de Nelson Rodrigues' com destaque na capa de livros de Harold Robbins, como Os insaciáveis, Os libertinos e Escândalo na sociedade, o comprador via naquilo uma garantia. Sabia que era literatura 'pesada'. Como poderia imaginar que Nelson era o mais acabado monoglota da língua portuguesa...?"

O filho de Alfredo, Sérgio Machado – à frente do Grupo Editorial Record, o maior da América Latina – revelou recentemente em uma entrevista que a tradução dos livros de Harold Robbins era feita por outra pessoa. O nome de Nelson era apenas para atrair o público:

O momento talvez fundamental da nossa história foi quando meu pai perguntou ao meu tio: "Décio, por que a gente não faz livro que vende?" Meu tio disse que era porque não tinha; porque o José Olympio já tinha comprado. Meu pai então falou: "Estou lendo um livro que me deram, Os Insaciáveis, do Harold Robbins. O negócio de conseguir direitos é comigo mesmo." Comprou e publicou pela primeira vez um livro com o objetivo exclusivo de vender para o leitor. Ele tinha aquela coisa de publicitário, de jornalista. Veja o que fez para lançar esse livro, que era bem apimentado: pôs que a tradução era de Nelson Rodrigues. Nelson nunca aprendeu inglês! A cada tiragem, ele ia lá na editora pegar um dinheirinho. 



(A entrevista completa pode ser lida no site do Estadão).

O negócio deu tão certo que nada menos que catorze livros de Robbins vêm com a tradução falsamente assinada por Nelson Rodrigues. Também foram feitos vários licenciamentos para a Abril Cultural, o Círculo do Livro e a Nova Cultural até a segunda metade dos anos 80, sempre com altíssimas tiragens e várias reedições. As tramas apimentadas, sempre recheadas com sofisticados cenários, mulheres fogosas, homens insaciáveis e muito dinheiro vendiam como água. 


A edição número 1 da revista Veja, de 11/09/1968, dedicou duas páginas a uma matéria sobre o sucesso dos livros de Harold Robbins. Na época, ele era o autor mais vendido do mundo, com 40 milhões de exemplares (exatamente como E. L. James hoje). Um dos trechos diz:

Qualitativamente, Harold Robbins não existe para a crítica americana, que invariavelmente despreza os seus romances. Como seu tradutor brasileiro, Nelson Rodrigues, que diz: "Harold Robbins é um momento da estupidez humana". O autor de "Ninguém é de ninguém" confessa ter "tropeçado por acaso" na literatura quando começou a descrever a elite endinheirada da Europa e América. Mas desde então, como excelente homem de negócios, Robbins percebeu depressa que tinha na máquina de escrever uma galinha que punha ovos de dólares.

Apesar de ser considerado literatura adulta e erótica, Cinquenta tons de cinza, ao contrário dos livros de Harold Robbins, se revela totalmente infantilizado, como se tivesse sido escrito para um público adolescente e pouco exigente. Mais ou menos como os tradicionais livrinhos de banca das séries Júlia, Sabrina e Bianca. O surpreendente é como E.L. James conseguiu virar o furacão editorial da atualidade usando um fórmula tão batida, sem nenhum requinte literário ou narrativo. Parece ter descoberto a roda com a série Cinquenta tons, que já conta com mais dois livros: Cinquenta tons de liberdade e Cinquenta tons mais escuros. Uma prova de que, apesar da internet, o público ainda tem bastante fôlego para consumir enlatados apimentados. Ainda que hoje eles estejam mais para fast food.


Linda de viver

Setembro, sempre famoso por marcar o início da primavera, nem teve tempo de terminar. A maior e mais exuberante de todas as flores da nossa televisão partiu na manhã do último sábado, dia 29, e deixou o país todo incrédulo.


Difícil acreditar que ela, Hebe Camargo, não vai mais nos alegrar com sua risada espontânea, sua figura alegre, divertida, exótica, positiva e, ainda assim, de uma simplicidade rara em estrelas de seu quilate. Sem nunca se deixar deslumbrar pelo sucesso, Hebe, sempre carismática, já coloria nossa televisão antes mesmo do surgimento da TV em cores. Aliás, a história de sucesso da "rainha da televisão brasileira" - título mais do que merecido - está diretamente ligada à história da própria televisão no Brasil.


Desnecessário recontar aqui a trajetória da artista. A imprensa tem se encarregado disso. Após dois dias acompanhando na TV as tantas notícias sobre a morte de Hebe, assim como homenagens, reprises de entrevistas, depoimentos, clipes e tudo relacionado à maior apresentadora do Brasil, resolvi postar este pequeno texto aqui no blog, tamanha foi minha tristeza ao ficar sabendo da notícia. 


Cresci assistindo ao programa dela no SBT. O tema de abertura, "Uma estrela no ar/ Numa nova constelação/ Hebe, Hebe, sempre uma nova emoção/ Hebe, Hebe, a vida na palma da mão/ Um sorriso de criança, o olhar cheio de esperança/ Hebe, Hebe, o amor em primeiro lugar/ Hebe, Hebe, uma estrela no ar" continua vivíssimo em minha memória até hoje, mais de 25 anos depois. A TV está órfã, assim como todo o público brasileiro. Mas a figura de Hebe, iluminada por seu carisma, alegria, otimismo, fé e alto astral serão eternos. Ela continuará presente em nossa memória afetiva. Sempre linda de viver.



Hebe Camargo
08/03/1929 - 29/09/2012

Sexta básica de (in)utilidades


Quadros a óleo (limpeza) – Corte ao meio uma cebola de cabeça e utilize a metade para limpar os quadros a óleo de sua casa, que estejam empoeirados e escurecidos pela ação do tempo. Esfregando-se a cebola suavemente na pintura, as cores desta se reavivarão num instante restituindo ao quadro seu aspecto original. É preciso cortar uma rodela da cebola à proporção que sua face for enegrecendo ao contato com a sujidade do quadro.

Fonte: Dicionário do Lar – Vol. IV
Editora Logos, 1964.


O famoso bolo na chuva


A morte de Donna Summer, há menos de 2 meses, chamou minha atenção para a música MacArthur Park. Fã da cantora desde pequeno, cresci ouvindo esse hit imortalizado por ela. Um dos maiores sucessos da carreira de Donna e também da era disco, MacArthur Park foi sua primeira canção a ir para o disputadíssimo primeiro lugar das paradas americanas, em 1978. Mas o que pouca gente sabe é que MacArthur Park foi escrita e gravada dez anos antes de estourar pelo mundo.

Composta pelo americano Jimmy Webb em 1967, a faixa foi inicialmente rejeitada pelo grupo The Association. O ator irlandês Richard Harris (o Professor Albus Dumbledore dos dois primeiros filmes da série Harry Potter) tomou a iniciativa de gravá-la, no final daquele mesmo ano. Depois disso outros artistas também a gravaram com algum sucesso, mas nada comparado ao obtido por Donna Summer em 1978.


Ao compor MacArthur Park, Jimmy Webb não poupou floreios e metáforas exóticas (na mais famosa delas, o amor é comparado a um bolo esquecido na chuva). A imprensa achou esquisitíssimo. O Los Angeles Times, por exemplo, considerou a canção "contraditória" e "maluca".

A inspiração para MacArthur Park surgiu do término do relacionamento entre Webb e Susan Ronstadt (prima da cantora Linda Ronstadt). O Parque MacArthur – cujo nome é uma homenagem ao General Douglas MacArthur – situado em Los Angeles, Califórnia, era onde o casal costumava se encontrar para almoçar e namorar. Na época (meados de 1965), Susan trabalhava para uma companhia de seguros que ficava bem em frente ao parque.

O Parque MacArthur em foto de Claudia Bestor, para o New York Times
A canção, que começa como um poema sobre o amor, passa para o lamento de um amante abandonado. Em uma entrevista, Jimmy explicou que a letra era simbólica e se referia ao fim de uma história de amor. “Essa letra era muito verdadeira para mim, não tinha nada de psicodélico. O bolo era um objeto presente e constante. Era o que eu via no parque, naquelas festinhas de aniversário ao ar livre. Mas as pessoas reagiram de forma negativa. Os intelectuais não deixaram de soltar seu veneno”, afirmou Jimmy ao Los Angeles Times.

Com o famoso trecho "cake out in the rain" ("bolo na chuva") esta é, sem dúvida, uma das letras mais intrigantes já escritas para uma canção. Muitos anos depois, Jimmy Webb explicou também para a revista britânica de música Q: "É sobre o fim de uma história de amor e a pessoa que canta está usando o bolo e a chuva como metáfora para isso. OK, pode ser bem incomum e até incompreensível, mas escrevi essa canção numa época do final dos anos 60 quando letras surrealistas estavam na crista da onda".

Para aqueles que ainda não se convenceram com a explicação, existe ainda outra hipótese. Colin McCourt, funcionário da companhia musical responsável pelo lançamento da música, conta que o diretor da empresa, amigo de Jimmy Webb, explicou a ele o significado da canção – “bolo na chuva” e todo o resto. McCourt contou ao jornal Daily Mail de 2 de abril de 2011: "Jim era apaixonado pela garota que o havia deixado. Meses depois, ouviu que ela ia se casar. No parque. Arrasado, foi ao casamento, mas não queria ser visto. Escondeu-se então no galpão do jardineiro. Enquanto acontecia a cerimônia, começou a chover forte. A visão da chuva, caindo pelo vidro da janela do galpão, fazia parecer que o bolo estava derretendo”.

MacArthur Park foi gravada primeiramente por Richard Harris, depois que o ator encontrou Jimmy Webb em um evento beneficente em Los Angeles, no final de 1967. Webb, ao piano, tinha sido convidado para cuidar da música do evento. Do nada, Richard Harris expressou a ele seu desejo de lançar um disco. Jimmy não tinha levado a história a sério até receber, dias depois, um telegrama de Harris, pedindo a ele que fosse a Londres para dar início ao projeto. Após escutar exaustivamente todas as composições de Webb, o ator selecionou MacArthur Park para sua estreia na música pop.


Conhecido também por seus dotes de cantor, Richard Harris lançou o álbum A Tramp Shining em 1968, onde MacArthur Park apareceu pela primeira vez. Sua performance bem teatral da composição realçou a carga dramática da letra. Harris gravara a canção logo depois de estrelar o musical Camelot (1967) no cinema. Sua vasta filmografia inclui clássicos como Os Canhões de Navarone (The Guns of Navarone, 1961), O Grande Motim (Mutiny on the Bounty, 1962), O Pranto de um Ídolo (This Sporting Life, 1963), Ver-te-ei no Inferno (The Molly Maguires, 1970), Cromwell (1970), Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992) e vários outros. Faleceu em 2002, aos 72 anos.

Enquanto pesquisava para escrever este post, encontrei em um fórum de discussões uma informação também curiosa sobre a interessante metáfora do "bolo na chuva". Na página da amazon.com, um dos clientes escreveu uma crítica sobre o CD The Webb Sessions: 1968-69, onde comentou:

"(...) Queria dividir com outras pessoas o significado da imagem por trás da letra de MacArthur Park sobre 'alguém deixou um bolo na chuva' ('someone left a cake out in the rain'). Há um filme de época da Disney chamado Meu Querido Carneirinho (So Dear To My Heart, 1948), que se passa no começo do século 20, sobre um garotinho e seu carneirinho que sempre se metia em encrencas. No desenho animado da abertura do filme, que mostra cenas típicas daquela época, vemos um piquenique montado, mas sem pessoas em volta, pois havia começado a chover. O bolo que compunha o cenário do piquenique começa a derreter na chuva, e é meio triste quando você visualiza isso. Depois do trabalho que alguém teve para fazer o bolo, vê-lo todo destruído é uma imagem que remete à desolação. Pode ter sido isso que Jimmy Webb tinha em seu subconsciente quando compôs a famosa frase de sua obra-prima MacArthur Park".

Trecho da abertura de Meu Querido Carneirinho, com o bolo derretendo na chuva
Atualmente, prestes a completar 66 anos, Jimmy Webb é um compositor respeitado e consagrado. Ao longo de sua carreira, teve suas canções gravadas por Glen Campbell, The 5th Dimension, Thelma Houston, The Supremes, Frank Sinatra, Elvis Presley, Isaac Hayes, Art Garfunkel, Linda Ronstadt, R.E.M. e Carly Simon, entre outros.

Jimmy Webb em 2011

MacArthur Park
(Jimmy Webb)

Spring was never waiting for us, girl
It ran one step ahead
As we followed in the dance

Between the parted pages
And were pressed in love's hot, fevered iron
Like a striped pair of pants

MacArthur's Park is melting in the dark
All the sweet, green icing flowing down
Someone left the cake out in the rain

I don't think that I can take it
'Cause it took so long to bake it
And I'll never have that recipe again, oh no

I recall the yellow cotton dress
Foaming like a wave
On the ground around your knees
The birds like tender babies in your hands
And the old men playing checkers, by the trees

MacArthur's Park is melting in the dark
All the sweet, green icing flowing down
Someone left the cake out in the rain

I don't think that I can take it
'Cause it took so long to bake it
And I'll never have that recipe again, oh no

There will be another song for me
For I will sing it
There will be another dream for me
Someone will bring it

I will drink the wine while it is warm
And never let you catch me looking at the sun
And after all the loves of my life
After all the loves of my life, you'll still be the one

I will take my life into my hands and I will use it
I will win the worship in their eyes and I will lose it
I will have the things that I desire
And my passion flow like rivers through the sky

And after all the loves of my life
Oh, after all the loves of my life
I'll be thinking of you and wondering why

MacArthur's Park is melting in the dark
All the sweet, green icing flowing down
Someone left the cake out in the rain

I don't think that I can take it
'Cause it took so long to bake it
And I'll never have that recipe again
Oh no, oh no, no...

Os rapazes da banda

Hoje é o dia da famosa Parada Gay de São Paulo, considerada a maior do gênero no mundo. Três milhões são esperados na Avenida Paulista. Apesar de toda a violência e preconceito que homossexuais ainda sofrem, o Brasil vem ocupando posição de destaque na conquista dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT). Sinal dos tempos...


No entanto, na matéria de capa da Revista da Cultura (edição 52, novembro de 2011), a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida ponderou: "Ser gay, hoje, é bem mais fácil do que nos anos 1950, quando nem era possível assumi-lo publicamente. Nem por isso a homofobia acabou. Quanto mais visibilidade, surge uma reação violenta contra; os ataques a homossexuais estão crescendo, apesar desses avanços. É positivo, no entanto, que eles possam expressar melhor seus sentimentos".



Apesar da Parada Gay de hoje, esse preâmbulo foi apenas para que eu pudesse falar de Os Rapazes da Banda (The Boys in The Band), um dos melhores filmes que já assisti, independentemente da temática gay. Baseado na peça homônima do dramaturgo americano Mart Crowley, estreou nos cinemas em março de 1970. A peça off-Broadway havia estreado em 1968 e teve 1001 apresentações. Estourou no final dos anos 60 ao mostrar gays com vida comum, fato inédito até então. Trouxe visibilidade, chacoalhou valores e incorporou os homossexuais no cotidianos das pessoas. Uma marco na época.

William Friedkin
O elenco da versão cinematográfica, dirigida por William Friedkin (Operação França, O Exorcista), é o mesmo do teatro. Apesar de simples na estrutura, a história criada por Crowley é cheia de sutilezas e complexa nas subjetividades. Toda a ação se passa no apartamento de Michael (Kenneth Nelson), localizado no Upper East Side (área nobre de Manhattan, em Nova York). Michael resolve comemorar o aniversário do amigo Harold (Leonard Frey), um judeu culto e afetado, e recebe alguns convidados em sua casa, os tais "rapazes da banda". Um pequeno grupo de amigos, gays na faixa dos trinta e poucos anos.

Um a um, o leque de tipos vai se formando: o decorador Emory (Cliff Gorman) é o típico estereótipo do gay efeminado. Hank (Laurence Luckinbill) é um discreto professor de Matemática, prestes a se divorciar da esposa. O bonitão Larry (Keith Prentice) é fotógrafo de moda e namorado de Hank. O comportado Bernard (Reuben Greene), negro e de origem humilde, é balconista de uma livraria. O anfitrião Michael, um alcoólatra em recuperação, namora Donald (Frederick Combs), um rapaz de boa índole, porém "medíocre", como ele mesmo se descreve. O garoto de programa Cowboy (Robert La Tourneaux), protótipo do "louro burro", completa a galeria de tipos. O jovem michê, vestido de cowboy, é o "presente" de Emory para o aniversariante.

Da esquerda para a direita, os rapazes da banda: Kenneth Nelson, Frederick Combs, Laurence Luckinbill, Keith Prentice, Reuben Greene, Cliff Gorman, Leonard Frey e Peter White

"Cowboy", o presente de aniversário
Mas os alegres amigos não contavam com a presença de Alan (Peter White), ex-colega de quarto de Michael, dos tempos da faculdade. Alan é o típico heterossexual 'careta' e convencional. Ele aparece de surpresa para fazer uma visita, após muitos anos sem encontrar Michael. A partir daí se configura a crônica de um desastre anunciado. O que começa como um constrangimento se torna gradativamente uma seqüência de ironias que por sua vez se transformam em alfinetadas, agressões e revelações. O clima de festa dá lugar a embaraçosos rancores que vão emergindo de cada um dos personagens. Tudo regado a muita bebida e humor ácido. Os diálogos são rápidos e afiadíssimos.

Cena do filme
Assim como a peça, o filme – moderníssimo para a época – traça um painel do embate de opiniões entre o grupo de amigos. Questões que até hoje fazem parte da vida da maioria dos gays, como a dificuldade de relacionamentos monogâmicos em contraponto ao desejo de estabelecer uma união estável, aceitação da própria homossexualidade, convivência com a culpa católica, preocupação com a aparência física e o envelhecimento, entre outras. Isso quando não apenas os gays, mas a sociedade em geral vivia uma era de revolução e liberdade sexual, uma década antes do surgimento da AIDS. Ainda que, à primeira vista, pareça um filme que só interessaria ao público gay, Os Rapazes da Banda fala de angústias inerentes ao ser humano, seja homem, mulher, hetero ou homossexual. Mas as questões são tratadas num universo gay.

O autor da peça, Mart Crowley (primeiro à esquerda), com o elenco durante a produção do filme
Como aconteceu algumas vezes com trabalhos artísticos – especialmente no cinema – que alcançaram sucesso e visibilidade meteóricos, o elenco de The Boys in The Band sofreu uma espécie de "maldição". Os artistas ficaram marcados pela peça e pelo filme. Passaram de aplaudidos e elogiados a desempregados, drogados e excluídos. Dos nove atores integrantes do elenco, apenas dois estão vivos até hoje (Laurence Luckinbill e Peter White). Dos sete já falecidos, cinco morreram em decorrência da AIDS. O que aconteceu ao elenco não deixa de ser cruel e emblemático. O destino do autor Mart Crowley (hoje com 76 anos) também não foi dos mais felizes: caiu no ostracismo logo após o estouro da peça.


O DVD do filme foi lançado nos EUA no final de 2008. Aqui no Brasil, após um longo atraso, foi finalmente lançado pela Cult Classic em março deste ano. No ano passado o diretor americano Crayton Robey realizou o documentário Making the Boys, que mostra os bastidores da produção tanto da peça quanto do filme. Foi destaque do Festival Mix Brasil de 2011. Mesmo assim, The Boys in The Band permanece um filme desconhecido para a maioria do público (até mesmo entre os gays), o que é uma pena. Não apenas por ser um divisor de águas na história do cinema, mas também por ter sido a primeira produção a tratar abertamente da temática gay, sem precisar apelar para nenhuma cena de sexo sequer. Mais de quatro décadas depois, os diálogos contundentes e corrosivos de Os Rapazes da Banda continuam dividindo opiniões. Mais do que qualquer tentativa de choque visual.


Sexta básica de (in)utilidades

Receita da fondue (Tal como foi obtida dos documentos de M. Trolpet, oficial de justiça de Mondon, no cantão de Berna). – Estabeleça o número de ovos a usar a partir do número presumível de convivas. Tomará a seguir um pedaço de bom queijo de Gruyère pesando um terço do peso dos ovos e um pedaço de manteiga pesando um sexto desse peso. Quebrará e baterá bem os ovos numa panela, para depois por nela também a manteiga e o queijo ralado ou cortado em pedacinhos. Ponha a panela sobre um aquecedor bem quente e mexa com uma espátula, até que a mistura fique convenientemente espessa e mole. Ponha ou não um pouco de sal, dependendo se o queijo é mais ou menos velho, e uma boa porção de pimenta-do-reino, que é um dos caracteres positivos deste prato antigo. Sirva sobre uma travessa ligeiramente aquecida, faça servir o melhor vinho que será muito bem bebido e tudo será uma maravilha.


A Fisiologia do Gosto, de Brillat Savarin.
Edição baseada em exemplar publicado em 1848.
Ed. Salamandra, 1989.




Entrevista com Lori Lethin

Três crianças nascem durante um eclipse total do sol. Todas vivem normalmente, até que aos dez anos elas começam a matar sem motivo aparente. Mas quem desconfiaria de crianças tão amáveis, com rostinhos tão angelicais? Os únicos que descobrem a verdade são Joyce e seu irmão, o garoto Timmy. Joyce tem vinte e poucos anos e é a típica moça certinha: prestativa, estudiosa, responsável e ajuizada. Timmy tem 10 anos, é um bom garoto e, para seu azar, é coleguinha de escola dos três psicopatas mirins. Joyce e Timmy são implacavelmente caçados pelos pequenos possuídos. Mas não é nada fácil escapar do instinto assassino desse trio de pestes. Essa é a história de Aniversário Sangrento (Bloody Birthday, 1980), filme de Ed Hunt. Um irresistível clássico trash dos filmes de terror dos anos 80.


Timmy (K.C. Martel) e Joyce (Lori Lethin) em Aniversário Sangrento
O trio de psicopatas mirins de Aniversário Sangrento
Lori Lethin em Aniversário Sangrento

Joyce, a mocinha do filme, foi vivida pela atriz Lori Lethin. Nascida em 4 de agosto de 1955, em Los Angeles, Califórnia, Lori trabalhou intensamente na TV americana durante a década de 1980, participando de várias séries e filmes. Naquela época, viveu seu momento de scream queen ("rainha do grito"), emplacando um filme de terror atrás do outro.

Tudo começou no final dos anos 70, quando ela resolveu botar a mochila nas costas e partir para Hollywood. Na época Lori trabalhava como garçonete na Ilha de Santa Catalina, Califórnia. Ela se perguntava o que faria após o término de seu summer job (emprego de verão; prática muito comum entre os jovens americanos). Foi aí que ocorreu-lhe a ideia de trabalhar como atriz. "Parecia tão fácil!", diverte-se ela ao lembrar daqueles tempos. Dali em diante, as coisas tomaram um rumo natural.


O primeiro trabalho como atriz foi no episódio Panteras Transviadas, na 3ª temporada da série As Panteras, que foi ao ar em fevereiro de 1979. Logo em seguida viriam diversas outras participações em várias séries de TV bem populares da época como Os Gatões (1980), Magnum (1983), Esquadrão Classe A (1984) e dezenas de outras.

Lori com Jaclyn Smith em As Panteras
Lori com Tom Wopat e John Schneider em Os Gatões

Em 1981 Lori participou do média-metragem A Onda, produzido para a TV americana e baseado em em um fato real ocorrido numa escola da cidade de Palo Alto, nos EUA. Durante uma aula de História sobre o nazismo na Alemanha, alguns alunos insistiam em repetir que aquilo jamais aconteceria novamente no mundo. Então, o professor resolve fazer uma experiência pedagógica: cria todas as condições necessárias para o nascimento de um grupo e simula um partido fascista. Mas a experiência foge do controle e revela o lado perigoso do movimento criado. Originalmente produzido como um especial do canal ABC (ABC Afterschool Special), a emissora resolveu exibir o filme em horário nobre, como parte da série ABC Theater for Young Americans, em outubro de 1981. 

A Onda
Embora estivesse curtindo o sucesso na TV, foi no cinema que ela sentiu o gostinho da fama por participar de três filmes de terror que se tornaram cult: Aniversário Sangrento (1980), Depredador (1984) e De Volta à Escola dos Horrores (1987), onde atuou ao lado do então iniciante e futuro galã George Clooney. O filme, que combinava comédia e terror, foi precursor de sucessos como Pânico (Scream, 1996).

Lori em De Volta à Escola de Horrores
"Acho que foi por causa da minha carinha bem comum, sabe. O tipo inocente que sempre entra no corredor escuro mesmo quando todo mundo sabe que não deveria. Sem dúvida curti muito. Era tão divertido trabalhar em filmes de terror!", relembra ela. 

Apesar de Lori ser mais conhecida pelos clássicos cult Aniversário Sangrento e De Volta à Escola dos Horrores, uma de suas atuações mais elogiadas foi no telefilme O Dia Seguinte (The Day After, 1983), ao lado de Jason Robards, JoBeth Williams,  Steve Guttenberg, John Lithgow e outros. Lori viveu Denise, uma jovem noiva prestes a se casar que se vê no meio de uma catástrofe nuclear. 


O último trabalho de Lori no cinema foi no drama de 1999 A Viagem, com Claire Danes, Kate Beckinsale e Bill Pullman. Desde então deixou a carreira de atriz para se tornar psicóloga. Mas até hoje seu rosto ainda é popular nos EUA e ela é sempre lembrada por seus papéis na TV e nos filmes cult. Lori conversou comigo por e-mail e deu uma entrevista exclusiva para o blog. Mais: disse que ainda quer visitar o Brasil.


DANIEL COURI: Quando você decidiu seguir a carreira de atriz, tinha algum gênero específico em mente (como o terror, por exemplo) ou tudo aconteceu por acaso?
LORI LETHIN: Aconteceu mesmo por acaso! Na época [começo dos anos 80] havia um monte de filmes de terror sendo feitos... Parecia que a cada semana estreava um. Por isso eu me saía tão bem fazendo cara de espanto!

DC: Como você conseguiu o papel no episódio de As Panteras
LL: Foi minha primeira entrevista de trabalho. Eu não tinha ideia do que estava fazendo. Por fim o diretor de elenco disse "Lori, é só ler as falas". Aquilo era novidade pra mim! Creio que eles gostaram da minha aparência ingênua... Acho que foi por isso que consegui o papel. 

Lori em As Panteras
DC: Havia muitas outras garotas na disputa?
LL: Sim, tinha uma sala cheia de garotas fazendo testes para o papel.

DC: Você atuou em vários episódios de séries de TV, grande parte delas muito famosas não apenas nos EUA mas também mundo afora. No entanto, naquela época, a televisão não era tão "respeitada" como um veículo para atores e atrizes. Hoje as coisas são bem diferentes. Artistas renomados têm participado cada vez mais e recebido elogios pelos trabalhos. Não só o público como também a crítica os aplaude. Como você encara essa mudança de atitude em relação à TV nos EUA? 
LL: A TV a cabo propiciou a expansão da televisão como um veículo de respeito. Com isso, os papeis foram ficando mais interessantes para os artistas. Quando comecei, havia basicamente cinco ou seis estações de TV. Veja como as coisas mudaram. Acho isso ótimo. Há uma gama enorme de programação de qualidade nos canais a cabo.

Lori com Elliot Gould em Plantão Médico
DC: Quando você se tornou psicóloga? Essa área já te atraía ou seu interesse apareceu mais tarde?
LL: Sempre me interessei pelo comportamento humano. Acho que era isso que tornava o trabalho de atriz tão atraente, no meu caso. Eu era capaz de entrar na alma de outras pessoas e trazer aquela experiência para a tela. Terminei minha faculdade de Psicologia há um ano e agora estou colocando o que aprendi em prática para obter minha licença. É um trabalho muito gratificante.

DC: Você tem três filhos. Quais as idades deles?
LL: Eles têm 17, 23 e 30.

DC: Como reagem quando ouvem que a mãe já foi "rainha do grito"? Eles acham divertido?
LL: Eles adoram e acham o máximo esse negócio de "rainha do grito". Afinal, quantos jovens têm a chance de dizer que a mãe trabalhava como atriz de filmes cult de terror? Isso é muito legal. 

DC: Dos três filmes de terror nos quais você atuou, qual é seu preferido?
LL: De Volta à Escola de Horrores. Não só por causa do George Clooney (risos). Foi tão divertido fazer três personagens diferentes. Para diferenciá-las, eu usava uma peruca bem vagabunda (muito brega, eu adorava!). Também achei um barato o fato do filme ter sido uma continuação de um filme que nunca existiu! Os outros atores também eram ótimos. Foi como participar de uma colônia de férias.

Lori em De Volta à Escola dos Horrores
George Clooney em De Volta à Escola dos Horrores
DC: Em Aniversário Sangrento sua personagem corria perigo quase o tempo todo. Você usou dublês?
LL: Fiz todas as cenas. Era um filme de baixo orçamento. Sempre fui minha própria dublê. A impressão que tenho é que em todos os papéis que fiz, estava sempre correndo e fugindo de alguém!


Sempre correndo perigo em Aniversário Sangrento

DC: Como você se sente quando vê uma nova geração descobrindo seus filmes de terror e se empolgando com seu trabalho?
LL: Ah, eu adoro! Os filmes de terror dos anos 80 têm uma tipo e uma aura muito específicos... São quase cômicos comparados ao estilo dos filmes de terror de hoje.

DC: Oque fez com que você se afastasse do trabalho de atriz?
LL: Essa é fácil. Eu simplesmente queria criar meus filhos. Foi uma questão de sentimento. Adoro ser mãe!

Lori em 2010
DC: Sente saudades de ser atriz?
LL: Às vezes sinto... Mas adoro trabalhar com pessoas nesta nova carreira que escolhi. Trabalho para uma organização sem fins lucrativos, então minha profissão fica ainda mais significativa, especialmente neste período da minha vida.


FILMOGRAFIA COMPLETA

Filmes:

Aniversário Sangrento (Bloody Birthday, 1980)
A Espera de Golias (Goliath Awaits, 1981)
O Dia Seguinte (The Day After, 1983)
For Love or Money (1984)
Depredador (The Prey, 1984)
Means and Ends (1984)
De Volta à Escola de Horrores (Return to Horror High, 1987)
O Triângulo Prateado (The Platinum Triangle, 1989)
A Viagem (Brokedown Palace, 1999)

Lori em De Volta à Escola de Horrores



Média-metragens:

A Onda (The Wave, 1981)
The Magic Boy's Easter (1989)

A Onda














Participações em séries de TV:

As Panteras (Charlie's Angels / Episódio Panteras Transviadas - Teen Angels, 1979)
A Man Called Sloane (Episódio Architect of Evil, 1979) 
Barnaby Jones (Episódio The Final Victim, 1980)
Os Gatões (The Dukes of Hazzard / Episódio Southern Comfurts, 1980)
Freebie and the Bean (Epsiódio The Seduction of the Bean, 1980)
Palmerstown, U.S.A. (Episódio Vendetta, 1981)
Hill Street Blues (Episódio Rain of Terror, 1982)
Magnum (Magnum, P.I. / Episódio A Grande Rajada - The Big Blow, 1983)
The Mississippi (Episódio G.I. Blues, 1983)
This Is the Life (Episódio The Gathering Dark, 1984)
The Master (Episódio Out-of-Time-Step, 1984)
Esquadrão Classe A (The A-Team / Episódio Os Terroristas - Harder Than It Looks, 1984)
Plantão Médico (ER / Episódio Sentimental Journey, 1984)
Arnold (Episódio A Special Friend, 1985)
Crazy Like a Fox (Episódio Desert Fox, 1985)
The Insiders (Episódio Gun Runners, 1985)
Matlock (Episódio Diary of a Perfect Murder, 1986)
Assassinato por Escrito (Murder She Wrote / Episódio If a Body Meet a Body, 1986)
Stingray (Episódio Abnormal Psych, 1986)
Throb (Episódio The Party, 1986)
Starman (Episódio Dusty 1987)
O Lobisomem ataca de novo (Werewolf / Episódio Eye of the Storm, 1987)
Ohara (Episódio And a Child Shall Lead Them, 1987)

Lori com Andy Griffith em Matlock




















Agradecimentos: Nathan Johnson 
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