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O exterminador do presente

Por favor, não pensem que sou mais um saudosista que só quer viver de passado. Admito, sim, que adoro as coisas de tempos passados (filmes, livros, roupas, músicas, hábitos, objetos etc.) mas também gosto de usufruir de alguns mimos que a modernidade oferece (e-mail, Google, mp3, DVD...), o que não me torna um escravo incansável dessa praga que assola o mundo atualmente. Praga sim, porque à medida em que se torna uma imposição, as inovações tecnológicas parecem querer nos esmagar, passar por cima de tudo e de todos. E ai de quem não estiver sempre um passo à frente. É absurda a quantidade de novas bugigangas que nos são empurradas diariamente. E o pior é que o povo consome tudo isso como se estivesse 'crescendo' ou se aperfeiçoando. Em quê?

Telefones celulares tornam-se ultrapassados em, no máximo, seis meses. Ou seja, hoje as pessoas compram um aparelho de celular que tem um milhão de funções (e até se esquecem de que ele serve, originalmente, para fazer e receber ligações telefônicas) e essas funções aumentam a cada mês. O mesmo serve para computadores, nem preciso dizer. Essa obsessão pelo ultra-mega-super-moderno e novo se insinua em tudo, até nos hábitos. Não existem mais lojas de discos. Hoje só há megastores, com CDs importados e caríssimos. As videolocadoras também viraram raridade. Porque todo mundo compra CD pela internet. Ou baixa os filmes pela internet. O mesmo se aplica às pequenas e aconchegantes livrarias de outrora. Aliás 'outrora', por si só, já é de outrora!

Ninguém tem mais telefone fixo. Não existem mais listas telefônicas. E eu que achava tão poético procurar o endereço de uma pessoa pelo catálogo telefônico... Agora tudo é celular. E as pessoas cada vez menos conseguem se comunicar. Não sabem cumprimentar, não sabem conversar, não têm tempo para gentilezas. Mas ficam penduradas no celular desde a primeira hora do dia até a hora de dormir. E não desligam o troço nem para dormir. Me intriga muito essas pessoas que, logo às seis horas da manhã começam a receber ligações no celular. Será que isso acontecia 15 ou 20 anos atrás? Será que tudo era TÃO urgente assim? Que pressa é essa? A menos, é claro, que você seja médico. Aí é compreensível.

Não conhecemos mais o prazer de comprar um disco, manuseá-lo, curtir cada detalhe da capa e do encarte, colocá-lo no aparelho de som... Nem disco existe mais, é tudo baixado do computador e transferido para minúsculos iPods (se é que ainda existe iPod, estou por fora das inovações dos últimos meses). Não conhecemos mais o rosto dos artistas nem como a música foi feita. Nada de instrumentos musicais. Tudo é eletrônico e computadorizado. Orquestra tornou-se uma palavra tão antiga! Parece coisa do século 19. Difícil acreditar que até 30 anos atrás elas estavam aí e eram muito comuns.

As crianças e os adolescentes de hoje não sabem mais escrever à mão. Desde pequenos, levam para a escola um compacto notebook, do tamanho de um caderno (ou menor), e nele digitam o que querem, entram na internet etc. e tal. Simplesmente o caderno de caligrafia virou peça de museu. Aliás, os alunos de hoje não fazem idéia do que seja 'caligrafia'. Nem livros. Não precisam de livros. Procuram tudo o que querem nos sites da internet. Não sabem sequer manusear um dicionário.

E as famigeradas câmeras digitais? Assim como os celulares, elas evoluem a cada mês e os modelos tornam-se obsoletos antes mesmo de ficarem populares. As pessoas não se interessam mais pelo que é curioso ou pitoresco. Saem fotografando TUDO e acumulando milhares de fotos que nunca ninguém vê depois. Nem quem tirou. Quem suporta ver tanta foto? E os álbuns de casamento? Você precisa de um dia inteiro para ver um álbum de casamento, tamanha é a quantidade de fotos. E tudo fica repetitivo ao extremo. Fotos de viagens, que eram sempre tão divertidas e agradáveis de se ver, viraram um suplício. O amigo te chama para ver as fotos das férias passadas. Aí surge na sua frente um notebook com 2700 fotos da praia de sei-lá-onde. Na trigésima foto você já não agüenta mais olhar aquilo. Torna-se maçante.

E os filmes? Gastam bilhões em produções que esbanjam tecnologia. Atores e atrizes são um mero detalhe, quase dispensáveis. A computação gráfica dá jeito em tudo: artistas, cenários, efeitos... Paga-se o dobro do preço normal de um filme para se ver em 3-D algum lançamento no cinema. E muitas vezes o fato do filme ser em 3-D não acrescenta absolutamente nada à história. Quem lucra com isso são os donos das salas de projeção, que cobram o dobro pelo ingresso, e as empresas que montam essa parafernália mundo afora.

Não quero que esta crônica vire um mar de lamúrias do presente, não é isso. Nem quero ser o "exterminador do presente" e pregar que só o passado presta. Apenas acho que essa modernidade excessiva de hoje extrapola os limites e acaba emburrecendo o ser humano, que está cada vez menos apto a lidar com as emoções e os contatos sociais ou familiares. Tudo se resume a um mundo auto-suficiente e individualista, em que basta se ter um iPhone ou um laptop e pronto: nada mais tem importância ou interesse.

Li esses dias em algum lugar que a coleção outono 2010 de Marc Jacobs homenageia a antimodernidade. Achei genial. "A busca pelo novo é tão voraz, principalmente no mundo da moda, que quando o novo aparece ele se torna imediatamente antigo", explica o estilista. Para Marc Jacobs, novo, hoje, é revisitar o clássico. E eu assino embaixo.
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