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Literatura apimentada em versão fast food


Cinquenta tons de cinza, o fenômeno literário do ano escrito pela britânica E.L. James, vendeu 40 milhões de exemplares rapidamente. Romance erótico com toques de sadomasoquismo, o livro consagrou sua autora como a inventora de um novo (?) gênero que mistura romance açucarado e erotismo pretensamente transgressor.

O mérito literário de E.L. James não vem ao caso. O curioso é que muito antes desse modismo gerado por Cinqüenta tons de cinza, leitores do mundo todo já tinham seus momentos de "prazer proibido" com os livros do americano Harold Robbins. Quando começou a ser publicado aqui no Brasil, Robbins era um ilustre desconhecido. Numa jogada esperta para atrair leitores e realçar o teor caliente dos livros, a editora Record usou um artifício recentemente admitido: o nome de Nelson Rodrigues como tradutor.

Os mais radicais chamam de fraude, outros acham quem a estratégia não passou de uma malandragem inocente, coisa dos distantes anos 60/70. Mas o fato é que Nelson Rodrigues nunca fez muita questão de esconder que não falava nada de inglês (nem de qualquer outra língua além do português).



Na biografia O anjo pornográfico, Ruy Castro conta que a ideia fora de Alfredo Machado (dono da Editora Record na época), para "ajudar Nelson a faturar um dinheirinho fácil. Mas era também muito conveniente para sua editora: ao ler 'Tradução de Nelson Rodrigues' com destaque na capa de livros de Harold Robbins, como Os insaciáveis, Os libertinos e Escândalo na sociedade, o comprador via naquilo uma garantia. Sabia que era literatura 'pesada'. Como poderia imaginar que Nelson era o mais acabado monoglota da língua portuguesa...?"

O filho de Alfredo, Sérgio Machado – à frente do Grupo Editorial Record, o maior da América Latina – revelou recentemente em uma entrevista que a tradução dos livros de Harold Robbins era feita por outra pessoa. O nome de Nelson era apenas para atrair o público:

O momento talvez fundamental da nossa história foi quando meu pai perguntou ao meu tio: "Décio, por que a gente não faz livro que vende?" Meu tio disse que era porque não tinha; porque o José Olympio já tinha comprado. Meu pai então falou: "Estou lendo um livro que me deram, Os Insaciáveis, do Harold Robbins. O negócio de conseguir direitos é comigo mesmo." Comprou e publicou pela primeira vez um livro com o objetivo exclusivo de vender para o leitor. Ele tinha aquela coisa de publicitário, de jornalista. Veja o que fez para lançar esse livro, que era bem apimentado: pôs que a tradução era de Nelson Rodrigues. Nelson nunca aprendeu inglês! A cada tiragem, ele ia lá na editora pegar um dinheirinho. 



(A entrevista completa pode ser lida no site do Estadão).

O negócio deu tão certo que nada menos que catorze livros de Robbins vêm com a tradução falsamente assinada por Nelson Rodrigues. Também foram feitos vários licenciamentos para a Abril Cultural, o Círculo do Livro e a Nova Cultural até a segunda metade dos anos 80, sempre com altíssimas tiragens e várias reedições. As tramas apimentadas, sempre recheadas com sofisticados cenários, mulheres fogosas, homens insaciáveis e muito dinheiro vendiam como água. 


A edição número 1 da revista Veja, de 11/09/1968, dedicou duas páginas a uma matéria sobre o sucesso dos livros de Harold Robbins. Na época, ele era o autor mais vendido do mundo, com 40 milhões de exemplares (exatamente como E. L. James hoje). Um dos trechos diz:

Qualitativamente, Harold Robbins não existe para a crítica americana, que invariavelmente despreza os seus romances. Como seu tradutor brasileiro, Nelson Rodrigues, que diz: "Harold Robbins é um momento da estupidez humana". O autor de "Ninguém é de ninguém" confessa ter "tropeçado por acaso" na literatura quando começou a descrever a elite endinheirada da Europa e América. Mas desde então, como excelente homem de negócios, Robbins percebeu depressa que tinha na máquina de escrever uma galinha que punha ovos de dólares.

Apesar de ser considerado literatura adulta e erótica, Cinquenta tons de cinza, ao contrário dos livros de Harold Robbins, se revela totalmente infantilizado, como se tivesse sido escrito para um público adolescente e pouco exigente. Mais ou menos como os tradicionais livrinhos de banca das séries Júlia, Sabrina e Bianca. O surpreendente é como E.L. James conseguiu virar o furacão editorial da atualidade usando um fórmula tão batida, sem nenhum requinte literário ou narrativo. Parece ter descoberto a roda com a série Cinquenta tons, que já conta com mais dois livros: Cinquenta tons de liberdade e Cinquenta tons mais escuros. Uma prova de que, apesar da internet, o público ainda tem bastante fôlego para consumir enlatados apimentados. Ainda que hoje eles estejam mais para fast food.


Linda de viver

Setembro, sempre famoso por marcar o início da primavera, nem teve tempo de terminar. A maior e mais exuberante de todas as flores da nossa televisão partiu na manhã do último sábado, dia 29, e deixou o país todo incrédulo.


Difícil acreditar que ela, Hebe Camargo, não vai mais nos alegrar com sua risada espontânea, sua figura alegre, divertida, exótica, positiva e, ainda assim, de uma simplicidade rara em estrelas de seu quilate. Sem nunca se deixar deslumbrar pelo sucesso, Hebe, sempre carismática, já coloria nossa televisão antes mesmo do surgimento da TV em cores. Aliás, a história de sucesso da "rainha da televisão brasileira" - título mais do que merecido - está diretamente ligada à história da própria televisão no Brasil.


Desnecessário recontar aqui a trajetória da artista. A imprensa tem se encarregado disso. Após dois dias acompanhando na TV as tantas notícias sobre a morte de Hebe, assim como homenagens, reprises de entrevistas, depoimentos, clipes e tudo relacionado à maior apresentadora do Brasil, resolvi postar este pequeno texto aqui no blog, tamanha foi minha tristeza ao ficar sabendo da notícia. 


Cresci assistindo ao programa dela no SBT. O tema de abertura, "Uma estrela no ar/ Numa nova constelação/ Hebe, Hebe, sempre uma nova emoção/ Hebe, Hebe, a vida na palma da mão/ Um sorriso de criança, o olhar cheio de esperança/ Hebe, Hebe, o amor em primeiro lugar/ Hebe, Hebe, uma estrela no ar" continua vivíssimo em minha memória até hoje, mais de 25 anos depois. A TV está órfã, assim como todo o público brasileiro. Mas a figura de Hebe, iluminada por seu carisma, alegria, otimismo, fé e alto astral serão eternos. Ela continuará presente em nossa memória afetiva. Sempre linda de viver.



Hebe Camargo
08/03/1929 - 29/09/2012
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