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Os rapazes da banda

Hoje é o dia da famosa Parada Gay de São Paulo, considerada a maior do gênero no mundo. Três milhões são esperados na Avenida Paulista. Apesar de toda a violência e preconceito que homossexuais ainda sofrem, o Brasil vem ocupando posição de destaque na conquista dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT). Sinal dos tempos...


No entanto, na matéria de capa da Revista da Cultura (edição 52, novembro de 2011), a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida ponderou: "Ser gay, hoje, é bem mais fácil do que nos anos 1950, quando nem era possível assumi-lo publicamente. Nem por isso a homofobia acabou. Quanto mais visibilidade, surge uma reação violenta contra; os ataques a homossexuais estão crescendo, apesar desses avanços. É positivo, no entanto, que eles possam expressar melhor seus sentimentos".



Apesar da Parada Gay de hoje, esse preâmbulo foi apenas para que eu pudesse falar de Os Rapazes da Banda (The Boys in The Band), um dos melhores filmes que já assisti, independentemente da temática gay. Baseado na peça homônima do dramaturgo americano Mart Crowley, estreou nos cinemas em março de 1970. A peça off-Broadway havia estreado em 1968 e teve 1001 apresentações. Estourou no final dos anos 60 ao mostrar gays com vida comum, fato inédito até então. Trouxe visibilidade, chacoalhou valores e incorporou os homossexuais no cotidianos das pessoas. Uma marco na época.

William Friedkin
O elenco da versão cinematográfica, dirigida por William Friedkin (Operação França, O Exorcista), é o mesmo do teatro. Apesar de simples na estrutura, a história criada por Crowley é cheia de sutilezas e complexa nas subjetividades. Toda a ação se passa no apartamento de Michael (Kenneth Nelson), localizado no Upper East Side (área nobre de Manhattan, em Nova York). Michael resolve comemorar o aniversário do amigo Harold (Leonard Frey), um judeu culto e afetado, e recebe alguns convidados em sua casa, os tais "rapazes da banda". Um pequeno grupo de amigos, gays na faixa dos trinta e poucos anos.

Um a um, o leque de tipos vai se formando: o decorador Emory (Cliff Gorman) é o típico estereótipo do gay efeminado. Hank (Laurence Luckinbill) é um discreto professor de Matemática, prestes a se divorciar da esposa. O bonitão Larry (Keith Prentice) é fotógrafo de moda e namorado de Hank. O comportado Bernard (Reuben Greene), negro e de origem humilde, é balconista de uma livraria. O anfitrião Michael, um alcoólatra em recuperação, namora Donald (Frederick Combs), um rapaz de boa índole, porém "medíocre", como ele mesmo se descreve. O garoto de programa Cowboy (Robert La Tourneaux), protótipo do "louro burro", completa a galeria de tipos. O jovem michê, vestido de cowboy, é o "presente" de Emory para o aniversariante.

Da esquerda para a direita, os rapazes da banda: Kenneth Nelson, Frederick Combs, Laurence Luckinbill, Keith Prentice, Reuben Greene, Cliff Gorman, Leonard Frey e Peter White

"Cowboy", o presente de aniversário
Mas os alegres amigos não contavam com a presença de Alan (Peter White), ex-colega de quarto de Michael, dos tempos da faculdade. Alan é o típico heterossexual 'careta' e convencional. Ele aparece de surpresa para fazer uma visita, após muitos anos sem encontrar Michael. A partir daí se configura a crônica de um desastre anunciado. O que começa como um constrangimento se torna gradativamente uma seqüência de ironias que por sua vez se transformam em alfinetadas, agressões e revelações. O clima de festa dá lugar a embaraçosos rancores que vão emergindo de cada um dos personagens. Tudo regado a muita bebida e humor ácido. Os diálogos são rápidos e afiadíssimos.

Cena do filme
Assim como a peça, o filme – moderníssimo para a época – traça um painel do embate de opiniões entre o grupo de amigos. Questões que até hoje fazem parte da vida da maioria dos gays, como a dificuldade de relacionamentos monogâmicos em contraponto ao desejo de estabelecer uma união estável, aceitação da própria homossexualidade, convivência com a culpa católica, preocupação com a aparência física e o envelhecimento, entre outras. Isso quando não apenas os gays, mas a sociedade em geral vivia uma era de revolução e liberdade sexual, uma década antes do surgimento da AIDS. Ainda que, à primeira vista, pareça um filme que só interessaria ao público gay, Os Rapazes da Banda fala de angústias inerentes ao ser humano, seja homem, mulher, hetero ou homossexual. Mas as questões são tratadas num universo gay.

O autor da peça, Mart Crowley (primeiro à esquerda), com o elenco durante a produção do filme
Como aconteceu algumas vezes com trabalhos artísticos – especialmente no cinema – que alcançaram sucesso e visibilidade meteóricos, o elenco de The Boys in The Band sofreu uma espécie de "maldição". Os artistas ficaram marcados pela peça e pelo filme. Passaram de aplaudidos e elogiados a desempregados, drogados e excluídos. Dos nove atores integrantes do elenco, apenas dois estão vivos até hoje (Laurence Luckinbill e Peter White). Dos sete já falecidos, cinco morreram em decorrência da AIDS. O que aconteceu ao elenco não deixa de ser cruel e emblemático. O destino do autor Mart Crowley (hoje com 76 anos) também não foi dos mais felizes: caiu no ostracismo logo após o estouro da peça.


O DVD do filme foi lançado nos EUA no final de 2008. Aqui no Brasil, após um longo atraso, foi finalmente lançado pela Cult Classic em março deste ano. No ano passado o diretor americano Crayton Robey realizou o documentário Making the Boys, que mostra os bastidores da produção tanto da peça quanto do filme. Foi destaque do Festival Mix Brasil de 2011. Mesmo assim, The Boys in The Band permanece um filme desconhecido para a maioria do público (até mesmo entre os gays), o que é uma pena. Não apenas por ser um divisor de águas na história do cinema, mas também por ter sido a primeira produção a tratar abertamente da temática gay, sem precisar apelar para nenhuma cena de sexo sequer. Mais de quatro décadas depois, os diálogos contundentes e corrosivos de Os Rapazes da Banda continuam dividindo opiniões. Mais do que qualquer tentativa de choque visual.


Sexta básica de (in)utilidades

Receita da fondue (Tal como foi obtida dos documentos de M. Trolpet, oficial de justiça de Mondon, no cantão de Berna). – Estabeleça o número de ovos a usar a partir do número presumível de convivas. Tomará a seguir um pedaço de bom queijo de Gruyère pesando um terço do peso dos ovos e um pedaço de manteiga pesando um sexto desse peso. Quebrará e baterá bem os ovos numa panela, para depois por nela também a manteiga e o queijo ralado ou cortado em pedacinhos. Ponha a panela sobre um aquecedor bem quente e mexa com uma espátula, até que a mistura fique convenientemente espessa e mole. Ponha ou não um pouco de sal, dependendo se o queijo é mais ou menos velho, e uma boa porção de pimenta-do-reino, que é um dos caracteres positivos deste prato antigo. Sirva sobre uma travessa ligeiramente aquecida, faça servir o melhor vinho que será muito bem bebido e tudo será uma maravilha.


A Fisiologia do Gosto, de Brillat Savarin.
Edição baseada em exemplar publicado em 1848.
Ed. Salamandra, 1989.




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