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Os violentadores de músicas alheias

Semana passada assisti, por acaso, ao filme mais surreal que poderia ter visto. Trata-se do nacional Os Violentadores de Meninas Virgens (1983), do diretor Francisco Cavalcanti, um dos nomes mais conhecidos da chamada "Boca do Lixo" paulistana. A Boca ficou muito conhecida nos anos 70 e começo dos 80 pela produção de filmes baratos, quase amadorísticos e de forte apelo sexual.


É o caso de Os Violentadores de Meninas Virgens. O enredo é simples: um grupo de velhos ricos e pervertidos paga para usar e abusar sexualmente de moças virgens. As tais virgens são sequestradas e levadas para uma casa, onde são oferecidas aos velhos e submetidas aos desejos dos tarados.

De cara, o elenco grotesco chama a atenção. Com o devido respeito ao status cult do filme, mas tudo é tão canhestramente feito, a começar pelas "atuações" risíveis e o elenco totalmente amador. Os cenários são improvisados, pobres e cafonas. As tais "moças virgens" do título são, na verdade, barangas bem feiosas que não têm NADA de "moças". A maioria aparenta bem mais de 30. Os velhos também são repugnantes de tão feios. 

Apesar da tentativa de criar um clima de suspense, o filme só provoca gargalhadas. Impossível olhar para tanta gente feia e sem apelo algum e ainda levar a coisa a sério. Chega a ser embaraçoso. Porém, mais embaraçoso ainda é o uso de músicas no filme. A trilha sonora totalmente roubada de filmes famosos ou hits da época fica completamente deslocada e dissonante. E foi exatamente isso o que mais me chamou a atenção.



Não sei o que é mais embaraçoso: as "moças de família" dançando ou a plateia de figurantes semi-moribundos.



Em uma cena que se passa em uma boate (de quinta categoria), duas vadias dançam (sem NENHUMA empolgação) ao som de Voulez-Vous, do ABBA! Sim, o ABBA, meu grupo favorito, servindo de fundo musical para um show erótico horrendo em uma birosca obscura. Seria trágico se não fosse cômico. A canção é tocada quase totalmente enquanto as moças dançam seminuas. Mas isso não é tudo. Logo na sequência, uma dançarina solo baila ao som de uma versão instrumental de Woman in Love, de Barbra Streisand. A coisa vai piorando.


Outra cena mostra um jovem casal fazendo sexo ao som de Endless Love, de Diana Ross e Lionel Ritchie. Como se não bastasse, a trilha sonora de O Expresso da Meia-Noite permeia quase todo o filme, com o uso de nada menos do que três canções: Love's Theme, Instabul Blues e (Theme from) Midnight Express. Nunca vi tamanha cara de pau no uso indiscriminado de canções de trilhas sonoras alheias. E duvido muito que tenham obtido permissão para usar todas essas músicas.





Os Violentadores de Meninas Virgens vale apenas como curiosidade para quem se diverte com bizarrices. Ou com o uso indevido de canções alheias. Estas sim, coitadas, são as verdadeiras violentadas do filme.

Deixe essa sepultura trash aberta

Fazer o filme mais caro do mundo, o que tem mais efeitos especiais, o que levou mais tempo para ser filmado, o que concorreu ao maior número de estatuetas do Oscar, o que teve a maior bilheteria da história... Tudo isso não é tão difícil quanto fazer o "pior filme de todos os tempos". Sim, porque para atingir essa categoria, não basta produzir um filme propositalmente ruim e mal feito. Não se trata de fazer uma 'caricatura de filme' e sim um filme pensado para ser sério, mas com pouquíssimos recursos. E por isso mesmo, genuinamente ruim.

Em sua concepção, o diretor imagina a história perfeita, a narrativa, o susto, o drama, o clímax... Mas colocar tudo isso em prática torna-se quase inviável devido ao orçamento limitado (ou até mesmo inexistente). O que fazer então? Agir como se nada disso fosse empecilho e seguir em frente. Reunir um grupo de atores e atrizes amadores, escolher locações baratas ou gratuitas e montar uma pequena equipe. Provavelmente composta por amigos ou simplesmente apaixonados por filmes de baixo orçamento.

Esse foi o mote do americano S. F. Brownrigg (1937-1996), que nos anos 70 dirigiu e produziu algumas pérolas trash do terror psicológico. Filmes de produção amadorística, com baixíssimo orçamento e altíssimo potencial para manter o público tenso. Cineasta independente e adepto do 'faça você mesmo', Brownrigg fez filmes bastante peculiares, marcados por uma atmosfera taciturna, pesada, de suspense psicológico, tramas obscuras e viradas surpreendentes, salpicadas por cenas bem sanguinolentas.



Brownrigg fidelizou sua legião de admiradores logo na estreia, com Don't Look in the Basement (1973), que rapidamente adquiriu status de cult e fez enorme sucesso nos circuitos americanos de drive-in no começo dos anos 70. No filme, uma jovem enfermeira psiquiátrica consegue emprego em um manicômio afastado e sombrio. Lá ela passa a ter contato com os vários tipos de demência e desequilíbrio dos pacientes. Uma série de assassinatos brutais tem início e a pobre jovem precisa tentar ajudar os pacientes enquanto protege a própria vida.


Logo depois, em 1974, veio Scum of The Earth (também conhecido como Poor White Trash 2, embora não seja continuação de outro filme!). Um jovem casal recém-casado vai passar uns dias em uma cabana na floresta. Mal chegam e o rapaz é misteriosamente assassinado com um machado. Em pânico, a moça sai correndo pelo bosque e acaba indo parar em um casebre onde vive uma família estranhíssima. O socorro à jovem é sempre adiado, até que ela se dá conta de que corre, de fato, mais perigo do que se estivesse perdida na floresta. Aliás, foi justamente esse filme que Jeff Dickerson, crítico do jornal Michigan Daily, considerou o pior de todos os tempos. A crítica, publicada em 2001, dizia, entre outras coisas:

"Você gastaria melhor o seu tempo se assistisse a um bloco de gelo descongelando no micro-ondas".
 
"A equipe parece ter feito grande parte da iluminação usando lanternas para iluminar os personagens. Pouquíssimo pode ser visto das locações, possivelmente devido às limitações no orçamento. É como se o diretor tivesse usado sua própria casa para a maior parte das filmagens enquanto sua mãe estava no supermercado (...)"

Em 1975 foi a vez de Don't Open the Door, menos impactante que os dois primeiros, mas não menos sombrio. A história gira em torno de uma neta prestativa e atenciosa, que volta para casa a fim de tomar conta da avó idosa. É quando ela percebe que está encurralada na casa, onde também está um maníaco homicida.


O último trabalho desse gênero foi o soturno Deixe Minha Sepultura Aberta (Keep My Grave Open / The House Where Hell Froze Over, 1976), de ritmo bem mais lento que seus anteriores. Lesley é uma mulher retraída que vive em uma propriedade rural isolada. Em sua casa, visitas não são bem-vindas. Atormentada pela relação conturbada com Kevin – o filme não deixa claro se ele é seu irmão ou amante – Lesley demonstra cada vez mais descontrole emocional. Paralelamente, um homem mata brutalmente todos que se aproximam da casa. Apesar de arrastado, o filme é intrigante e angustiante. (Foi o primeiro filme dos filmes de Brownrigg que assisti. Costumava ser reprisado nas madrugadas do SBT e outros canais, no final dos anos 80/começo dos 90. É, sem dúvida, meu favorito.)

Jornal do Brasil, 18 de fevereiro de 1988


O diretor realizou seu último filme, a comédia Thinkin' Big, em 1986. Sua carreira de cineasta amador minguou e Brownrigg migrou então para a TV, indo trabalhar em programas esportivos como transmissões de jogos de golfe para a ESPN, assim como vários programas sobre caça e pesca. Um grande desperdício, dado seu talento para dar vida a alguns dos personagens mais bizarros e atormentados do cinema trash independente. S.F. Brownrigg morreu aos 58 anos em Dallas, Texas.



Sexta básica de (in)utilidades


Pudim de leite condensado – 1 lata de leite condensado, 1 lata de leite comum, 3 ovos. Bater as claras até ponto de neve. Misturar as gemas, o leite condensado, o leite comum. Fazer uma calda rala com açúcar queimado. Untar a fôrma com o açúcar queimado, colocar o pudim. Levar ao forno em banho-maria.

Fonte: Dicionário do Lar – Vol. IV
Editora Logos, 1964.




Literatura apimentada em versão fast food


Cinquenta tons de cinza, o fenômeno literário do ano escrito pela britânica E.L. James, vendeu 40 milhões de exemplares rapidamente. Romance erótico com toques de sadomasoquismo, o livro consagrou sua autora como a inventora de um novo (?) gênero que mistura romance açucarado e erotismo pretensamente transgressor.

O mérito literário de E.L. James não vem ao caso. O curioso é que muito antes desse modismo gerado por Cinqüenta tons de cinza, leitores do mundo todo já tinham seus momentos de "prazer proibido" com os livros do americano Harold Robbins. Quando começou a ser publicado aqui no Brasil, Robbins era um ilustre desconhecido. Numa jogada esperta para atrair leitores e realçar o teor caliente dos livros, a editora Record usou um artifício recentemente admitido: o nome de Nelson Rodrigues como tradutor.

Os mais radicais chamam de fraude, outros acham quem a estratégia não passou de uma malandragem inocente, coisa dos distantes anos 60/70. Mas o fato é que Nelson Rodrigues nunca fez muita questão de esconder que não falava nada de inglês (nem de qualquer outra língua além do português).



Na biografia O anjo pornográfico, Ruy Castro conta que a ideia fora de Alfredo Machado (dono da Editora Record na época), para "ajudar Nelson a faturar um dinheirinho fácil. Mas era também muito conveniente para sua editora: ao ler 'Tradução de Nelson Rodrigues' com destaque na capa de livros de Harold Robbins, como Os insaciáveis, Os libertinos e Escândalo na sociedade, o comprador via naquilo uma garantia. Sabia que era literatura 'pesada'. Como poderia imaginar que Nelson era o mais acabado monoglota da língua portuguesa...?"

O filho de Alfredo, Sérgio Machado – à frente do Grupo Editorial Record, o maior da América Latina – revelou recentemente em uma entrevista que a tradução dos livros de Harold Robbins era feita por outra pessoa. O nome de Nelson era apenas para atrair o público:

O momento talvez fundamental da nossa história foi quando meu pai perguntou ao meu tio: "Décio, por que a gente não faz livro que vende?" Meu tio disse que era porque não tinha; porque o José Olympio já tinha comprado. Meu pai então falou: "Estou lendo um livro que me deram, Os Insaciáveis, do Harold Robbins. O negócio de conseguir direitos é comigo mesmo." Comprou e publicou pela primeira vez um livro com o objetivo exclusivo de vender para o leitor. Ele tinha aquela coisa de publicitário, de jornalista. Veja o que fez para lançar esse livro, que era bem apimentado: pôs que a tradução era de Nelson Rodrigues. Nelson nunca aprendeu inglês! A cada tiragem, ele ia lá na editora pegar um dinheirinho. 



(A entrevista completa pode ser lida no site do Estadão).

O negócio deu tão certo que nada menos que catorze livros de Robbins vêm com a tradução falsamente assinada por Nelson Rodrigues. Também foram feitos vários licenciamentos para a Abril Cultural, o Círculo do Livro e a Nova Cultural até a segunda metade dos anos 80, sempre com altíssimas tiragens e várias reedições. As tramas apimentadas, sempre recheadas com sofisticados cenários, mulheres fogosas, homens insaciáveis e muito dinheiro vendiam como água. 


A edição número 1 da revista Veja, de 11/09/1968, dedicou duas páginas a uma matéria sobre o sucesso dos livros de Harold Robbins. Na época, ele era o autor mais vendido do mundo, com 40 milhões de exemplares (exatamente como E. L. James hoje). Um dos trechos diz:

Qualitativamente, Harold Robbins não existe para a crítica americana, que invariavelmente despreza os seus romances. Como seu tradutor brasileiro, Nelson Rodrigues, que diz: "Harold Robbins é um momento da estupidez humana". O autor de "Ninguém é de ninguém" confessa ter "tropeçado por acaso" na literatura quando começou a descrever a elite endinheirada da Europa e América. Mas desde então, como excelente homem de negócios, Robbins percebeu depressa que tinha na máquina de escrever uma galinha que punha ovos de dólares.

Apesar de ser considerado literatura adulta e erótica, Cinquenta tons de cinza, ao contrário dos livros de Harold Robbins, se revela totalmente infantilizado, como se tivesse sido escrito para um público adolescente e pouco exigente. Mais ou menos como os tradicionais livrinhos de banca das séries Júlia, Sabrina e Bianca. O surpreendente é como E.L. James conseguiu virar o furacão editorial da atualidade usando um fórmula tão batida, sem nenhum requinte literário ou narrativo. Parece ter descoberto a roda com a série Cinquenta tons, que já conta com mais dois livros: Cinquenta tons de liberdade e Cinquenta tons mais escuros. Uma prova de que, apesar da internet, o público ainda tem bastante fôlego para consumir enlatados apimentados. Ainda que hoje eles estejam mais para fast food.


Linda de viver

Setembro, sempre famoso por marcar o início da primavera, nem teve tempo de terminar. A maior e mais exuberante de todas as flores da nossa televisão partiu na manhã do último sábado, dia 29, e deixou o país todo incrédulo.


Difícil acreditar que ela, Hebe Camargo, não vai mais nos alegrar com sua risada espontânea, sua figura alegre, divertida, exótica, positiva e, ainda assim, de uma simplicidade rara em estrelas de seu quilate. Sem nunca se deixar deslumbrar pelo sucesso, Hebe, sempre carismática, já coloria nossa televisão antes mesmo do surgimento da TV em cores. Aliás, a história de sucesso da "rainha da televisão brasileira" - título mais do que merecido - está diretamente ligada à história da própria televisão no Brasil.


Desnecessário recontar aqui a trajetória da artista. A imprensa tem se encarregado disso. Após dois dias acompanhando na TV as tantas notícias sobre a morte de Hebe, assim como homenagens, reprises de entrevistas, depoimentos, clipes e tudo relacionado à maior apresentadora do Brasil, resolvi postar este pequeno texto aqui no blog, tamanha foi minha tristeza ao ficar sabendo da notícia. 


Cresci assistindo ao programa dela no SBT. O tema de abertura, "Uma estrela no ar/ Numa nova constelação/ Hebe, Hebe, sempre uma nova emoção/ Hebe, Hebe, a vida na palma da mão/ Um sorriso de criança, o olhar cheio de esperança/ Hebe, Hebe, o amor em primeiro lugar/ Hebe, Hebe, uma estrela no ar" continua vivíssimo em minha memória até hoje, mais de 25 anos depois. A TV está órfã, assim como todo o público brasileiro. Mas a figura de Hebe, iluminada por seu carisma, alegria, otimismo, fé e alto astral serão eternos. Ela continuará presente em nossa memória afetiva. Sempre linda de viver.



Hebe Camargo
08/03/1929 - 29/09/2012

Sexta básica de (in)utilidades


Quadros a óleo (limpeza) – Corte ao meio uma cebola de cabeça e utilize a metade para limpar os quadros a óleo de sua casa, que estejam empoeirados e escurecidos pela ação do tempo. Esfregando-se a cebola suavemente na pintura, as cores desta se reavivarão num instante restituindo ao quadro seu aspecto original. É preciso cortar uma rodela da cebola à proporção que sua face for enegrecendo ao contato com a sujidade do quadro.

Fonte: Dicionário do Lar – Vol. IV
Editora Logos, 1964.


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