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LUTO

"Parada de fim de ano. Volto no dia 11. Feliz 2012 para todos nós."

Daniel Piza (1970 - 2011)
Foi assim que o jornalista Daniel Piza escreveu o último post em seu blog, dia 28 de dezembro. Levei enorme susto hoje de manhã ao ficar sabendo, pelo twitter, que ele havia falecido, na noite desta sexta-feira (30), vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), aos 41 anos.

Daniel era, além de meu xará, um dos meus ídolos. Desde o começo da minha faculdade de Jornalismo, acompanho o trabalho de Piza, seus ensaios, textos e matérias. Ele foi tudo o que sempre sonhei: um respeitadíssimo jornalista cultural, como poucos no Brasil. Foi seu livro Jornalismo Cultural (Contexto, 2003), que me chamou a atenção para esse grande e admirável jornalista.

Nascido em São Paulo (SP), começou a carreira de jornalista no Estadão em 1991. Na década de 1990, trabalhou nas editorias de cultura dos jornais Estado, Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil, na cobertura de literatura e artes visuais. Em maio de 2000, retornou ao Estado como editor-executivo e colunista cultural. Ainda trabalhou como tradutor de seis títulos, de autores como Herman Melville e Henry James, e organizou seis outros, nas áreas de jornalismo cultural e literatura brasileira.

Escreveu 17 livros e também fez os roteiros dos documentários São Paulo - Retratos do Mundo e Um Paraíso Perdido - Amazônia de Euclides. Apresentava os programas Estadão no Ar e Direto da Redação na rádio Estadão ESPN. Para esse último, tive a honra de ser entrevistado por ele há dois meses, quando divulguei meu livro Mamma Mia! Fiquei duplamente feliz: primeiro porque foi uma tremenda honra ser entrevistado por Daniel e segundo porque tive a chance de divulgar meu trabalho no programa dele.

Infelizmente ele partiu cedo demais, antes mesmo do término deste ano. Seu legado, que tanto enriquece o jornalismo cultural do país, será eterno, além de motivo de orgulho para o Brasil. Que a partir de 2012 Daniel Piza continue inspirando os interessados em jornalismo cultural, só que agora de outro plano...

Feliz medo novo!

“Hoje é um novo dia de um novo tempo que começou...”
Assim diz a vinheta de final de ano da Globo. E cada vez mais eu me espanto com esse “novo tempo” que começou não sei quando. Aliás, está sempre começando. E cada vez parece passar mais rápido.

Remexendo na minha papelada guardada, entre revistas e livros empoeirados e amarelados, reli uma crônica que o jornalista Fausto Wolff (1940-2008) escreveu para O Pasquim em janeiro de 1979, intitulada “Meu medão”. Tudo bem, os tempos eram outros, mas os medos são medos. Ontem e hoje. Com algumas variações, claro, mas é impossível não sentir.

Não quero ser pessimista, só estou aqui pensando com meus botões que apesar de sempre fazermos dezenas de promessas em toda virada de ano e de desejarmos sempre coisas lindas, nossos medos estão sempre ali, encobertos pelos votos de felicidade, amor, paz, saúde dinheiro etc... Os novos tempos começam, acabam, recomeçam e os medos ressurgem. Por isso resolvi transcrever uma (grande) parte dessa crônica que fala justamente dos medos que pairam sobre nós enquanto tentamos afugentá-los e esquecê-los temporariamente.

Meu medão
O Pasquim - janeiro / 1979 
A verdade, meus chapinhas, é que estou entrando no ano novo com medo. Sempre tive medo, mas nunca tanto quanto agora: estão roubando gente do Brasil para engaiolar no Uruguai; 296 milhões de dólares desaparecem no caminho do Bonn; estão querendo emancipar os índios, ou seja, exterminá-los de uma vez para sempre; o governo explica as eleições mas não explica as acusações de fraude e corrupção nos altos escalões; a verba para o Ministério do Exército é de 400 bilhões de cruzeiros e até agora não se sabe a da educação: Jarbas Passarinho pede que a oposição não seja agressiva se quer evitar represálias (eufemismo para um sexto ato); um sujeito por uma fatalidade qualquer cai numa cadeia brasileira e jamais se saberá o que aconteceu com ele. E isso tudo somente aqui em casa! Se eu começar a pensar nos genocídios do Irã e da Nicarágua; nos americanos doidinhos para tomarem cianureto com Fanta Uva; nos russos que podem matar à grande distância, com raios laser; na matança do criouléu na África do Sul, aí mesmo é que o meu medo se torna metafísico e invade o macrocosmo. (...) Cuidado leitor, este mesmo cidadão também tem a sua bombinha preparada para a sua cabeça, para a cabeça que pensa que as notícias que ouve no rádio, vê na televisão ou lê nos jornais se passam numa outra dimensão, em um inferno particular reservado especialmente para OS OUTROS. Cautela, amigo, os outros somos nós.
 
Meu medão começou na manhã seguinte à minha visita à Usina Atômica de Angra dos Reis. Depois de sonhar com o velho Mao Tsé-tung afogando-se dentro de uma garrafa de Coca-Cola tendo nas mãos o I Ching, acordei todo suado. Na longa viagem até o banheiro encontrei uma das filhas da minha mulher que me disse qualquer coisa simpática. Seus bracinhos pesavam sobre os meus ombros cansados. Minha boca recusou-se a dar passagem a uma linguagem de invento. Afinal, ela aos seis anos de idade, já sabe tudo sobre Dancin' Days. Em frente ao espelho olhei para os meus 38 anos e automaticamente passei a pasta de dentes sobre a escova. Fiquei com medo do dentifrício. Que fórmula estou botando na minha boca? Até onde estou me poluindo? Medo do desodorante. Medo de toda a quimicália que nos circunda para nos fazer mais limpos, mais higiênicos, mais belos, mais glamourosos, mais escravos.
Meus caros pais e mães de família: antes de se deleitarem com Dancin' Days hoje à noite, tenham em mente os seguintes números: Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França, Índia e China já explodiram bombas atômicas. Os seguintes países terão bombas atômicas nos próximos anos: Japão, Canadá, Argentina, Brasil, Paquistão, África do Sul, Israel, Suécia, Espanha, Suíça e Alemanha Ocidental. (...) Que tal? Querem ou não querem me matar? Tenho ou não tenho que ter medo de algo mais que os pivetes da Saint Roman? (...)
Cassandra informou os troianos sobre o perigo do cavalo grego. Será que não está na hora de começarmos a procurar o cavalo antes que a bomba nuclear caia na minha cabeça? Fora de brincadeira, meus chapinhas, eu estou com medo. Feliz Ano Novo!

O texto pode ser lido na íntegra no livro O dia em que comeram o ministro (Ed. Codecri, 1982), uma reunião de crônicas que Fausto Wolff escreveu para o Pasquim. 

Capas antigas, memórias presentes

Engraçado como certas imagens podem marcar tanto a vida da gente. Não sei se isso acontece com todo mundo ou se eu é que sou muito apegado a determinadas lembranças. "Nostálgico". Só sei que minha mente não apaga jamais ilustrações de livros antigos, revistas e capas de discos com as quais convivi durante toda a minha infância.

A internet, esse túnel do tempo virtual, tem o dom de trazer essas imagens de volta num simples clique. Depois de tantos anos, reencontramos pedaços do passado impresso em imagens antigas... Igual aquelas garrafas com mensagens lançadas ao mar e redescobertas muitos anos depois. E o sentimento, por mais banal que possa parecer, por vezes enche os olhos de lágrimas. O simples estalo ao rever uma figura marcante da infância traz um filme inteiro de volta à memória. 

Lugares, cores, cheiros, sensações, situações, palavras... Quanta coisa é desenterrada simplesmente ao olhar a capa amarelada de um LP. Cresci ouvindo os discos dos meus pais, especialmente os da minha mãe. Aquelas músicas - a maioria dos anos 60 - eram ouvidas por mim nos anos 80 com certa estranheza. Mas rapidamente caíam no meu gosto. Um tanto quanto exótico para uma criança, admito, mas que de alguma forma moldaram meus pensamentos e atitudes. Loucura? Talvez.

Fiz uma seleção dessas capas que me acompanharam desde que me entendo por gente. Alguns desses discos ainda estão na casa dos meus pais, (quase) esquecidos no armário. Outros desapareceram ou se deterioraram com o tempo. Felizmente hoje em dia é possível baixar praticamente tudo na internet, até aquelas músicas raríssimas que a gente achava impossível ouvir de novo ou sequer sabia o nome.

Themes For Young Lovers - Percy Faith (CBS, 1963)

Herb Alpert presents Sergio Mendes & Brasil '66 (A&M, 1966)

Whipped Cream & Other Delights - Herb Alpert's Tijuana Brass (A&M, 1967)

Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band - The Beatles (Capitol, 1967)

Turn Around Look At Me - Ray Conniff (CBS, 1968)

O Inimitável - Roberto Carlos (CBS, 1968)

A Grande Orquestra de Paul Mauriat (Philips, 1968)

Um Mundo de Melodias Vol. 8 - Franck Pourcel (EMI Odeon, 1969) 

Sinfonias - Waldo de los Rios (Hispa Vox, 1971)

Greatest Hits - Simon & Garfunkel (CBS, 1972)

Cabocla - Trilha sonora da novela (Som Livre, 1979)

Au Revoir - Vários artistas (Som Livre, 1985)

O que Rod Stewart e Jorge Ben(jor) têm em comum?

Muito antes de virar o rei da regravação de standards da música americana em meados dos anos 2000, com sua série de CDs The Great American Songbook, o hoje respeitável senhor Rod Stewart já havia balançado muito o esqueleto no Studio 54.

Rod Stewart em 1979 e em 2004: quem te viu, quem te vê...
Performático, o cantor escocês ficou conhecido nos anos 70 por suas baladas que mesclavam soul e blues, além do rock que o consagrou, claro. Mas no finalzinho dos anos 70, mostrou uma nova faceta, que lhe rendeu muitos novos fãs mas, em contrapartida, custou-lhe o repúdio dos antigos fãs.

O hit era Da Ya Think I'm Sexy? A maior parte da melodia foi composta pelo baterista Carmine Appice, que tinha acabado de se juntar à banda de Stewart. Appice comenta: "Estávamos no estúdio e Miss You, dos Rolling Stones, era sucesso na época. Rod sempre foi um cara que costumava ouvir o que acontecia ao redor dele. Estava sempre de olho nas paradas musicais, ouvindo tudo, e era fã dos Rolling Stones. Então, quando eles lançaram Miss You, o som discoteca era a sensação do momento. Rod queria gravar uma espécie de canção com influência da disco music, algo mais ou menos como Miss You, mas que não fosse tão disco como Gloria Gaynor".

Carmine continua: "Ele sempre nos falava, 'quero uma canção desse jeito' ou 'quero uma canção daquele jeito'. Fui para casa e bolei uma melodia. Apresentei ao Rod através de um amigo, Duane Hitchings, um compositor que tinha um pequeno estúdio. Fomos para o estúdio dele com as baterias e teclados e ele deu uma lapidada na melodia. Entregamos ao Rod um demo dos versos e a estrofe e Rod criou o refrão. Tocamos repetidas vezes com a banda antes de acertarmos os arranjos com Tom Dowd" (lendário produtor musical).

Assim nasceu a canção, que abria o lado A do LP Blondes Have More Fun, lançado em novembro de 1978. Mas o rebu que estava por vir não demorou muito: aqui no Brasil, Jorge Ben (antes de virar Benjor) botou a boca no trombone e acusou Rod Stewart de plágio. Rod havia usado a linha melódica do trecho "tê-tetere-tetetê", da música Taj Mahal, no refrão de Da Ya Think I'm Sexy?

Taj Mahal havia sido composta por Jorge Ben e lançada em 1972, no álbum Ben. É uma das canções mais cultuadas e conhecidas do cantor. (Taj Mahal é uma referência clara à história do mausoléu situado na Índia). Jorge Ben já estava encaminhando um processo contra Stewart quando o escocês, com a música polêmica, chegou ao primeiro lugar das paradas internacionais. Saia justíssima. A canção impulsionou o álbum Blondes Have More Fun a vender 4 milhões de cópias, indo para o número 1 da Billboard (a bíblia da música americana). A canção perdeu o processo por plágio.


Jorge Ben acabou ganhando na Justiça, mas não levou um tostão. Os direitos autorais relativos à canção foram sabiamente doados à UNICEF, o órgão da ONU que auxilia crianças carentes. Esse foi o truque que o advogado de Stewart encontrou para abafar a história. Como "punição", Rod teve que concordar em doar os royalties de sua canção para a UNICEF e cantá-la no The Music for UNICEF Concert.



A Gift of Song - The Music For UNICEF Concert foi um grande evento beneficente realizado em janeiro de 1979 na Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York. A festa de gala - televisionada para vários países - foi apresentada pelos Bee Gees e contava com os grandes nomes da indústria musical da época: ABBA, Donna Summer, Olivia Newton-John, Andy Gibb, Earth Wind & Fire, John Denver e Rita Coolidge. (Elton John também estava na lista, mas não compareceu).



O Fantástico de 18 de fevereiro de 1979 apresentou uma matéria sobre o caso:
"A música Taj Mahal, de Jorge Ben, é o pivô de uma briga internacional. De acordo com especialistas, a canção Da Ya Think I’m Sexy?, cantada por Rod Stewart, possui as mesmas notas musicais do refrão da música do cantor brasileiro. As pautas musicais, reproduzidas por um maestro, vão servir de base para que o advogado de Jorge Ben entre com uma representação contra a gravadora de Rod Stewart".
Mas a história ficou por isso mesmo, já que Rod havia cedido os lucros da canção para a UNICEF. E todos foram felizes para sempre. Na edição de maio de 1995 da revista Mojo, Stewart falou sobre Da Ya Think I'm Sexy: "Acho que é uma daquelas músicas que faz todo mundo se lembrar do que estava fazendo naquele ano em particular. Foi uma das 10 canções que resumiu todo o período dance/disco. E é justamente para isso que serve a música, para trazer lembranças".

Em 2004 a música entrou na lista das 500 melhores canções da revista Rolling Stone e é inegavelmente um hit inconfundível, assim como sua 'irmã' tupiniquim Taj Mahal. Jorge Ben virou Jorge Benjor e hoje, mais de 30 anos depois, quase ninguém nem se lembra mais daquele dançante rebu da indústria fonográfica do final dos anos 70.

Gina: tesouro escondido

"Sentada na beira da calçada, os pés nus na água barrenta que corria, a boneca de pano apertada no braço direito, Gina esperava a mãe que se despedia das vizinhas, lá no fundo do cortiço".

Se eu disser o nome Maria José Dupré é capaz de muita gente se lembrar dos livros A Ilha Perdida ou Éramos Seis, durante vários anos os carros-chefe da Série Vaga-Lume (coleção de livros lançada pela Editora Ática a partir de 1972, com obras voltadas principalmente para o público infanto-juvenil). Claro, Maria José Dupré é a autora dos livros. Lembro-me que li Éramos Seis quando tinha uns 11 anos e fiquei muito envolvido pela história. Alguns anos depois, em 1994, o SBT produziu uma das melhores telenovelas brasileiras, Éramos Seis, baseada no livro. (A TV Tupi já havia feito o mesmo 1977).

Mais de 20 anos depois de ler A Ilha Perdida e Éramos Seis, me deparei com Gina, da mesma autora. E fiquei igualmente fascinado. Ao mesmo tempo, me dei conta de como essa grande autora brasileira é subestimada. Infelizmente as novas gerações têm cada vez menos contato com os livros, principalmente depois da invasão esmagadora da internet. A Série Vaga-Lume, tão popular entre os anos 70 e 90, é praticamente desconhecida dos jovens hoje. Quando eu estudava, os livros dessa série eram sempre pedidos nas escolas e mesmo quando não eram, líamos assim mesmo.

Meu "reencontro" com Maria José Dupré não poderia ter sido mais feliz: Gina prende o leitor do começo ao fim. É impossível não se sentir impelido a ir fundo na saga da personagem-título e a torcer por ela. A orelha da edição de 1978 do livro diz: "Gina é um romance chocante, humanamente chocante porque nos faz refletir sobre nossos critérios de valor. Nele, preconceitos e estereótipos são sentidos na alma e na carne de uma menina 'ultrajada pela existência', como diria Dostoievski".

A descrição continua: "Este romance faz bem a todo mundo, principalmente aos que julgam as pessoas pelos atos, independentemente das circunstâncias e da influência do meio ambiente. Quem se interessa por conhecer melhor as pessoas, encontrará em Gina um manual vivo de Psicologia. Ali estão os mais variados tipos de pessoas, cabalmente descritos pela pena de Maria José Dupré que o crítico Roberto Alvim Correa colocou ao ao lado de Máximo Gorki".

Assim como já havia feito em Éramos Seis, em Gina a autora consegue colocar o leitor tão perto dos personagens que é como se ele estivesse realmente convivendo naquela realidade descrita na história. Foi a mesma sensação que tive ao ler Éramos Seis. Impossível não se sentir tocado. No artigo Livros Esquecidos II, a escritora e crítica literária Maria Lúcia Silveira Rangel explica:

Maria José Dupré (Senhora Leandro Dupré) é a nossa Margaret Mitchell. Tal como a autora norteamericana com seu livro “...E o vento levou”, a obra literária de Maria José Dupré é tão atrativa que prende o leitor até o final do romance.
Ignoro se ainda perduram ecos do retumbante sucesso literário de Margaret Mitchell, o mundo atual se caracteriza pela velocidade, valendo apenas o hoje que será obumbrado pelo amanhã inexorável.
A nossa escritora com seus inegáveis méritos parece um tanto esquecida e nada é mencionado sobre seus romances que alcançaram grande sucesso na época em que foram escritos, tendo sido “Éramos seis” transformado em novela e em filme argentino.

Seu estilo, com notável poder descritivo, a trama conduzida antes pelos diálogos vívidos que pelo aprofundamento íntimo, traduz, no entanto, uma real agudeza no que se refere ao conhecimento psicológico e à sensibilidade dos personagens.
Maria José Dupré (Sra. Leandro Dupré)
Maria José Dupré nasceu em 1898 em Botucatu (SP) e morreu em 1984 em Guarujá (SP). Sua primeira obra de ficção, publicada em 1941, foi O Romance de Teresa Bernard. Seu maior êxito literário, no entanto, continua sendo Éramos Seis (1943), premiado pela Academia Brasileira de Letras. O curioso é que, embora Éramos Seis tenha sido adaptado várias vezes para a televisão, sempre com sucesso, o mesmo não aconteceu com Gina.

Gina chegou a ser adaptada para a televisão em 1978, por Rubens Ewald Filho e Sílvio de Abreu (que já haviam adaptado Éramos Seis no ano anterior para a Tupi). Mas Gina não obteve sucesso no formato telenovela devido a uma série de problemas estruturais, como explica Nilson Xavier no site Teledramaturgia.

Fica então a dica: quando você estiver cansado da profusão de novidades literárias que nos são empurradas goela abaixo diariamente, dê uma olhada em Maria José Dupré. Tenho certeza que a surpresa será boa.

"Rastro aproxima as pessoas". Lembra?

Não tem como não sentir o cheirinho de Rastro e não se lembrar da infância - isto é, se você tem no mínimo 30 anos. Houve um tempo (adoro esse começo) em que os mais chiques e clássicos não podiam dispensar a colônia Rastro.

A história começa em 1956, quando o estilista e artista plástico Aparício Basílio da Silva abriu a Rastro, uma glamurosa boutique na Rua Augusta, em São Paulo. Naquela época o endereço era o crème de la crème da capital. Em sociedade com uma amiga, começou vendendo praticamente tudo na área de roupas e adereços, muitos desenhados por ele próprio.

Durante anos, no entanto, ele alimentou a idéia de lançar uma fragrância de qualidade, mas com um toque de brasilidade. Queria que seus clientes buscassem o requinte dos perfumes importados em uma marca nacional. Após muito trabalho, em 1965 Aparício lançou, com o irmão João Carlos, químico, a água-de-colônia Rastro, que entrou para a história dos hábitos de consumo da sociedade brasileira. O sucesso foi imediato.

Rastro é considerado o primeiro perfume 100% nacional e uma grande inovação na época. Não demorou muito para que a colônia se tornasse objeto de desejo e fosse procurada por todos. Por muito tempo o perfume manteve a característica de ser fabricado quase artesanalmente.

Em 1978, quando a ditadura ainda vigorava no país, uma campanha publicitária para promover o perfume deu o que falar: "Contatos irresistíveis de primeiro, segundo, terceiro ou qualquer grau. Rastro". Três fotografias estampavam três propagandas impressas diferentes: a de um elegante casal, a de uma cena de carícia entre duas mulheres e a de um jovem e um homem de meia idade posando juntos. Uma ousadia para a época.


A cor da embalagem do perfume Rastro – rosa-choque – encantava as mulheres, apesar de ter sido o primeiro perfume nacional realmente voltado para o universo masculino. Nos anos 70, com a volta da moda dos aromas florais, Rastro viveu seu auge. Nos anos 80, os aromas orientais (fragrâncias fortes) é que dominaram o mercado, mas ainda assim o Rastro se manteve bastante popular.

Só para facilitar a compreensão, uma explicação rápida da revista Galileu:

Um perfume possui três notas (cheiros) principais. O tipo de perfume depende da quantidade de cada nota.

1 - As notas de cabeça são responsáveis pelo primeiro cheiro que a pessoa sente quando abre o perfume. Elas evaporam rapidamente. Ex.: Cítricos.

2 - As notas de corpo ou coração são as que classificam o perfume. Elas dão o cheiro das primeiras quatro horas após a aplicação da fragrância. Ex.: Florais.

3 - As notas de fundo ou base são as mais densas, que impregnam a pele após um longo período. Ex.: Amadeirado.
Seguindo nosso Rastro novamente, a popularidade da marca foi perdendo terreno no começo dos anos 90, principalmente quando seu criador, Aparício, foi brutalmente assassinado em 1992. A marca foi transferida para a Dorsay Monange e os produtos perderam o glamour das décadas anteriores. Em 2007 a marca passou para as mãos da Hypermarcas, que comprou a Dorsay-Monange.
Aparício Basílio da Silva
Muito antes do termo "celebridade" virar lugar-comum, Aparício já era o que chamamos hoje de celebridade. Escultor, perfumista e presença constante em festas e badalações, reinou dos anos 60 até o começo dos 90 nas altas rodas ("O segredo é surgir, sorrir e sumir", gabava-se ele). Chegou a presidir o Museu de Arte Moderna e escreveu críticas de arte, mas sua fama foi mesmo o Rastro, sua marca registrada.

Foi encontrado morto em um terreno em São Bernardo do Campo (SP), com 97 perfurações, após uma noitada em uma boite gay da Rua Bela Cintra, em São Paulo, em 19 de outubro de 1992. Tinha apenas 56 anos. Dois homens e uma mulher foram presos pelo crime.

Difícil pensar que Aparício - considerado um dos homens mais elegantes de São Paulo em sua época - criou o primeiro perfume brasileiro e hoje tanto seu nome quanto o de sua criação são praticamente desconhecidos da maioria da população do Brasil. No entanto, sempre que quero revisitar algum cantinho recôndito de minha infância, abro meu vidro de Rastro e borrifo um pouquinho no pescoço.

Para os nostálgicos como eu, atualmente o Rastro pode ser comprado em algumas farmácias espalhadas pelo Brasil, mas não é tão fácil como antigamente não. Além da colônia, complementam a linha o sabonete e os desodorantes aerossol, spray, neutro e roll-on. Mas dê-se por satisfeito se conseguir encontrar ao menos a colônia.

Annie Hall à procura de Mr. Goodbar



Que Diane Keaton é uma das grandes atrizes de sua geração não é novidade para ninguém. Inúmeras vezes indicada a vários prêmios por suas atuações no cinema, ganhadora do Oscar, do Globo de Ouro e de outros vários troféus, Diane não explodiu no cinema da noite para o dia. Sua carreira foi se consolidando aos poucos. Mas o que pretendo com esta postagem não é contar a biografia de Diane e nem enumerar seus tantos êxitos como atriz. O que quero é falar de duas atuações em especial, que sempre me causaram espanto (no bom sentido).

Diane Keaton em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa"

Em 1969, Diane conheceu Woody Allen quando fazia testes para um papel em sua peça Play It Again, Sam (filmada como Sonhos de Um Sedutor). Diane ganhou o papel, os dois apaixonaram-se e viveram juntos por dois anos. A partir de então, tornaram-se grandes amigos. Em 1972, Francis Ford Coppola escalou a atriz para o papel de Kay Corleone em O Poderoso Chefão (The Godfather), e ela voltaria a interpretar o papel nas duas seqüências do filme. Até aí, nada de muito impressionante. Diane viveu a esposa de Al Pacino e seu papel se resumia a pedi-lo de vez em quando que parasse de matar pessoas e passasse mais tempo com as crianças. "Pacino estava ótimo. Robert De Niro estava ótimo. Eu era pano de fundo", disse Keaton à revista americana Time, nos anos 70.

Seu relacionamento amoroso-profissional com Woody Allen rendeu ótimos trabalhos na fase inicial do diretor, mas tanto a consagração de Woody quanto a de Diane veio de fato em 1977 com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall). O filme vai bem além da simples comédia ao estilo americano. Foi quando Keaton começou a quebrar o estigma de comediante que a acompanhava desde o início da carreira. Ganhou o Oscar de Melhor Atriz e o Globo de Ouro, além de vários outros prêmios só por esse filme. Foi um dos mais comentados daquela década, vencedor de 4 Oscar importantes (Melhor Filme, Diretor, Atriz e Roteiro Original).

Mas o que impressionou mesmo foi a mudança de
Diane Keaton em "À Procura de Mr. Goodbar"
gênero brusca na carreira de Diane naquele ano, prova marcante de sua versatilidade e capacidade. Naquele mesmo ano, ela protagonizou À Procura de Mr. Goodbar (Looking For Mr. Goodbar), de Richard Brooks, um drama impactante sobre as conseqüências trágicas da liberação feminina nos anos 70. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa estreou nos cinemas americanos em abril de 1977 e À Procura de Mr. Goodbar estreou em outubro daquele ano, exatamente seis meses depois. Indicada ao Globo de Ouro por seu papel no filme, Diane pulou da comédia astuta e com toques de romantismo de Woody Allen para a triste e chocante narrativa de À Procura de Mr. Goodbar.

Pode-se dizer que nos dois filmes Diane interpretou mulheres modernas, que foram atrás de independência profissional, financeira e emocional. Sem que com isso precisassem negar suas carências, fragilidades, contradições e anseios. Mesmo nem sempre tendo conseguido o que desejavam, não se pode negar que lutaram pelo que acreditavam e não se curvaram diante da sociedade ainda machista e conservadora da década de 1970. Diane é Annie Hall no filme de Woody Allen e Theresa Dunn no filme de Richard Brooks. Ainda que ambas sejam personagens femininas marcantes, são completamente diferentes. É até difícil assistir aos dois filmes e imaginar que foram filmados quase na mesma época, o que torna as interpretações de Diane ainda mais impressionantes.
Como a professora Theresa Dunn em "Mr. Goodbar"
Em Mr. Goodbar, Theresa Dunn é uma professora católica e reprimida de crianças surdas. Em meio à revolução sexual nos anos 70, ela descobre seu próprio apetite por prazer carnal mas tenta deixá-lo apenas no plano físico, evitando qualquer tipo de envolvimento emocional. O tempo vai passando e as caçadas noturnas de Theresa por bares e discotecas passam a atraí-la cada vez mais, a ponto de colocar seu trabalho diurno - onde ela sempre se destacou - em risco. No entanto, quando ela cai em si, já é tarde demais. Baseado no livro de Judith Rossner (que por sua vez se baseava em uma história real), esse filme deveria ser o responsável por tornar Diane Keaton uma "atriz séria", mas ela acabou levando o Oscar mesmo por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa naquele mesmo ano. (Curiosidade: Mr. Goodbar foi a estréia de Richard Gere no cinema).

Richard Gere e Diane Keaton em "Mr. Goodbar"
"Eu não sabia se Diane tinha o alcance necessário", disse o diretor Richard Brooks na época em que o filme foi lançado. "E eu estava com ela em meu escritório pensando nisso, que ela não é exatamente o que você chama de uma grande beleza. Então me veio o estalo: a história é justamente sobre uma moça assim, bonita, sexy, mas não a mais bonita da classe. Alguém que passaria quase despercebida".

Brooks e Keaton mudaram a personagem Theresa perceptivelmente. Judith Rossner, autora do livro [publicado no Brasil com o título De Bar em Bar], a descreveu como uma mulher fria, meio desagradável, mas a Theresa de Diane Keaton é amável e afetuosa, especialmente na relação com sua irmã (vivida por Tuesday Weld).

Woody Allen e Diane Keaton em "Annie Hall"
Annie Hall é uma cantora em início de carreira, um tanto quanto ingênua mas inteligente, embora quase sempre confusa. Às voltas com o namorado Alvy Singer, os dois estão sempre discutindo a relação e tendo cada vez mais dificuldades na vida a dois, com interesses e expectativas que começam a divergir após certo desgaste na convivência. Mas os dois se amam e não conseguem ficar longe um do outro. É lógico que reduzir o filme a isso seria simplificá-lo demais. É preciso assisti-lo para ver o quanto é genial, cheio de diálogos inteligentes e recursos que o deixam ainda mais engraçado. E olha que desbancar Guerra nas Estrelas (Star Wars) na disputa pelo Oscar de melhor filme do ano não deve ter sido fácil. É até difícil hoje em dia imaginar isso, já que vivemos a era das megaproduções hollywoodianas em 3D e diálogos inteligentes não mais atraem grandes bilheterias...

Enquanto Noivo Neurótico, Noiva Nervosa te deixa com um sorriso melancólico porém romântico no canto dos lábios, com aquela vontade de embarcar em uma relação amorosa e viver todos os seus altos e baixos, À Procura de Mr. Goodbar é uma experiência desconfortável em termos de relações humanas. O primeiro filme é lotado de diálogos e monólogos rápidos, cheios de sabedoria e referências culturais e intelectuais, enquanto o segundo é um filme lento, com várias cenas sem falas e por vezes até meio arrastado.


A edição de 26 de setembro de 1977 da revista americana Time, que teve Diane Keaton na capa, publicou uma extensa matéria sobre a atriz e seus dois filmes daquele ano. E propôs um questionamento:  "Theresa é muito segura para que seja possível acreditar que seria vítima de sua própria alienação? O humor que ela demonstra reflete muita sanidade? Pior, reflete muito de Annie Hall?". Fica a pergunta. Os dois filmes são imperdíveis. Basta assisti-los e tentar responder. Isto é, se alguém conseguir. 

O irmão caçula dos Bee Gees

No final dos anos 70, Andy Gibb era um fenômeno da música pop, misturando harmoniosamente talento e carisma. Foi o único artista a ter seus três primeiros compactos em 1º lugar nas paradas. Apesar de seu nome ser pouco conhecido no Brasil, suas canções são ainda populares. Vendeu milhões de discos em cerca de dois anos. Tudo isso no final de sua adolescência. Soma-se a isso o fato de Andy ser o irmão mais novo dos Bee Gees, um dos mais poderosos e influentes grupos da música pop.

Mas, por trás do seu visual de teen idol e da voz perfeita, o garoto que queria "ser tudo" (como diz um de seus maiores hits, I Just Want To Be Your Everything), estava seriamente envolvido com drogas. Quando sua morte foi anunciada, em 10 de março de 1988, por problemas cardíacos em decorrência do uso de tóxicos, muitos ficaram chocados. Digam o que quiserem: tudo aconteceu rápido demais na vida de Andy...

Andrew Roy Gibb nasceu em 5 de março de 1958 em Manchester, Inglaterra, o caçula de uma família de cinco irmãos. Sua mãe, Bárbara, era cantora. Seu pai, Hugh, baterista e líder de uma big band. Como os empregos para músicos na Inglaterra estavam ficando escassos, a família se mudou para a Austrália. O que impulsionou a carreira dos seus três irmãos mais velhos, Barry, Maurice e Robin: os Bee Gees, que se tornaram um fenômeno australiano em meados dos anos 60. Pouco depois, de volta à Inglaterra, os Bee Gees ganharam status de astros internacionais. Andy estava sempre por perto, assimilando tudo.

Em 1970, hora de outra mudança, desta vez para a pequena ilha de Ibiza, na costa espanhola. Foi quando Andy teve seus primeiros contatos reais com a música, ganhando a primeira guitarra do seu irmão Barry, aos doze anos. Cerca de um ano depois, Andy fez a sua estréia num clube turístico local. No entanto não recebia pelos shows, devido à sua idade e cidadania inglesa. Andy era uma presença constante no clube, algumas vezes acompanhado pelos irmãos.

A essa altura, já estava certo de que queria ser cantor. Depois de uma rápida passagem por dois conjuntos, Melody Fayre e Zenta, Andy retornou à Austrália e começou a compor, cada vez mais determinado a seguir uma carreira solo. Em menos de dois anos, tocou em clubes e bares de Sidney e conheceu Kim Reeder, que se tornou sua esposa (quando ambos tinham apenas 18 anos).

Em 1976 Robert Stigwood, o homem que arquitetou o sucesso dos Bee Gees, ouviu algumas fitas demo de Andy e resolveu investir na carreira solo do caçula. Em pouco tempo, o recém-casado Andy estava no Criteria Studios, em Miami, gravando seu primeiro álbum: Flowing Rivers. Produzido por Barry Gibb e lançado em 1977, o álbum vendeu cerca de um milhão de cópias, tendo como hit I Just Want to Be Your Everything. A música ficou em primeiro lugar na Billboard, seguida por (Love is) Thicker Than Water. O LP teve ótimas críticas e foi indicado a dois Grammy (Revelação do Ano e Melhor Canção por I Just Want to Be Your Everything). Andy também ganhou um People's Choice Award.

Como nada vem de graça, essa relativo sucesso fácil teve seu preço: sua vida pessoal começou a passar por problemas. Ao mesmo tempo em que tinha de lidar com o assédio das fãs e o sucesso, precisava administrar sua carreira, sua vida de casado e seu papel de pai. A esposa Kim acabara de dar à luz Peta-Reeder Gibb, nascida em 25 de janeiro de 1978.

O casamento de Andy e Kim acabou naquele mesmo ano, apenas dez dias depois do nascimento de sua filha. Familiares e amigos sentiam que Andy estava indo contra quem ele realmente era. O rapaz jovem e entusiasmado ficou irreconhecível: aos 19 anos, estava envolvido com drogas e álcool. No entanto, sua carreira ia de vento em popa, e Andy seguiu em frente.


Seu segundo álbum, Shadow Dancing, cujo compacto já era platina antes mesmo do lançamento do LP, foi o mais famoso. Outros hits desse trabalho eram An Everlasting Love e (Our Love) Don't Throw it All Away. Sua turnê mundial obteve excelentes críticas e lotava arenas e estádios em vários os cantos do planeta.

Andy era presença freqüente em especiais de TV (Rock Concert, Midnight Special, Dick Clark, Olivia Newton-John Special) e programas de variedades (Donnie and Marie, Bob Hope, Dinah, Mike Douglas, Phil Donahue). Um dos pontos altos de sua carreira foi durante a turnê de 1979 dos Bee Gees, Spirits Having Flown, na qual se juntou aos irmãos no palco. Era o auge de sua meteórica carreira.

Andy com o ABBA e Olivia Newton-John em 1978
 O terceiro álbum, After Dark, veio em 1980 com os hits: Desire e I Can't Help It, dueto com a amiga Olivia Newton-John. Greatest Hits, em 1981, emplacou Time is Time. Apesar da qualidade desses trabalhos, as vendas começaram a cair. Seu problema com as drogas se agravou, e nesse mesmo ano, foi despedido por seu empresário Robert Stigwood.

Andy e Victoria Principal
Mesmo com a carreira dando os primeiros sinais de declínio, Andy ainda era atração especial em eventos, shows e programas de TV. Aliás, foi no John Davidson Show que conheceu o grande amor de sua vida, em 1981: a estrela da época, Victoria Principal (a Pamela do lendário seriado Dallas), oito anos mais velha. Os dois regravaram em dueto All I Have To Do Is Dream, dos Everly Brothers. Esse foi o último compacto de Andy.

Nesse período, trabalhou em vários projetos fora do estúdio de gravação. Foi um dos apresentadores do Solid Gold, programa musical da TV. Fez também um papel coadjuvante em um filme canadense produzido para um canal a cabo, Something's Afoot. Essa participação foi um passo para a Broadway, onde estreou como personagem-título de Joseph and the Amazing Technicolor Dreamcoat, musical escrito por Andrew Llyod Weber.

A carreira televisiva de Andy continuou, com participações especiais nos seriados Gimme a Break! e Punky Brewster (exibido no Brasil pelo SBT como Punky - A levada da breca). Em 1983, Andy excursionou om seu novo show, começando por Las Vegas. Desta vez, era um outro estilo de espetáculo, mais intimista, no qual pôde mostrar toda a sua versatilidade. Cantando seus hits e músicas antigas (Beatles, Mills Brothers, Frank Sinatra, etc.), lotava casas de show por onde passava. A turnê incluiu o Brasil, em 1984, no estádio do Ibirapuera, em São Paulo. No mesmo ano, Andy participou do Festival de Viña del Mar, no Chile, ganhando o prêmio Silver Torch.

No entanto, os anos de consumo de drogas e álcool começaram a refletir sobre a sua saúde. Em meados de 1985, o cantor procurou auxílio médico. Lutou por quase dois anos contra a dependência química. No início de 1987, entrou também para o AA (Alcoólicos Anônimos) e parecia finalmente recuperado.


Começar uma nova vida era a expectativa de Andy ao assinar um contrato com a Island Records para gravar um novo álbum. Duas músicas, compostas juntamente com Barry e Maurice, ficaram prontas: Man on Fire (só lançada em 1991 no CD Greatst Hits) e Arrow Through the Heart, que permanece ainda inédita. Infelizmente, essa volta não aconteceu. Em 10 de março de 1988 - apenas cinco dias após completar 30 anos - uma miocardite (inflamação do músculo cardíaco, causada pelos anos de abuso de drogas e álcool), pôs um ponto final na sua curta, porém, intensa vida.

"Era um grande artista, mas sem controle. Sua personalidade e emoções fortes não o deixavam lidar com o que acontecia ao seu redor, com a fama que tinha.", revelou o irmão Robin Gibb em 1997, no programa da VH1, Behind the Music. Certamente, uma das mais precisas definições sobre Andy Gibb.

Os Bee Gees compuseram a música Wish You Were Here em homenagem ao irmão Andy. A música, lançada em 1989, também foi tema internacional da novela Top Model e  obteve sucesso absoluto no Brasil, ocupando a 2ª colocação entre os compactos mais vendidos.


Colaboração:
Ana Carolina Landi (RJ)

Os 31 aninhos de Xanadu

Dirigido por Robert Greenwald para a Universal Pictures, Xanadu (1980) é um dos clássicos kitsch mais adorados do cinema. Estrelado por Olivia Newton-John (na época, a sensação do momento), Gene Kelly (um dos maiores astros de Hollywood) e Michael Beck (que, apesar de não ser necessariamente famoso, havia sido a revelação de The Warriors - Os Selvagens da Noite no ano anterior), o filme tem uma trama no mínimo inusitada: Zeus envia do Olimpo uma musa, Kira (Olivia Newton-John), para inspirar um jovem artista gráfico, Sonny (Michael Beck), desiludido com sua profissão. Sonny faz pinturas para capas de discos, mas sente-se frustrado porque seu talento não é valorizado por seu chefe tirano. Ao mesmo tempo, Danny McGuire (Gene Kelly) é um empresário aposentado também frustrado por ter deixado de lado seu passado de músico em Big Bands. Sonny conhece Danny por acaso e os dois tornam-se amigos. Kira aparece para inspirar os dois, que unem seus sonhos em um só: a inauguração a roller-disco que dá título ao filme. No meio disso, Kira e Sonny se apaixonam, claro.

Xanadu teve sua pré-produção iniciada como um musical para faturar na moda da roller-disco (misto de discoteca com pista de patinação), muito popular no final dos anos 70. A partir daí, misturou, além de elementos dos anos 70 e 80 (como sintetizadores, patins e disco music), modismos dos anos 40, como as Big Bands ao estilo de Glenn Miller. Se a mistura funciona, não importa. No final das contas, o filme virou "uma apoteose kitsch e antológica, com Gene Kelly pagando mico na cena final", como um programa sobre cinema da extinta TV Manchete o descreveu.

Gene Kelly, Olivia Newton-John e Michael Beck
Isso só conta pontos a favor do filme, claro, uma deliciosa incursão no mundo das comédias românticas musicais, como podemos dizer... pouco convencionais, para ser bem contido. Açucarado e colorido, Xanadu surpreendeu pela ousadia ao colocar Gene Kelly, uma lenda viva do cinema musical - astro de filmes como Cantando Na Chuva - no papel de um dos protagonistas. E o bom velhinho ainda mostra que consegue se equilibrar sobre patins! É isso mesmo, aos 68 anos de idade. Genial. Pena que foi o último filme de Gene...

Tudo isso é embalado por uma trilha sonora ma-ra-vi-lho-sa, com canções inesquecíveis de Olivia Newton-John e do grupo Electric Light Orchestra (ELO), também super em alta nos anos 70. Hits de Olivia como Xanadu, Magic, Suddenly (dueto com Cliff Richard) e da ELO como All Over The World e I'm Alive (todos compostos especialmente para o filme) são populares ainda hoje. Até Gene Kelly fez dueto com Olivia em Whenever You're Away From Me, onde tentam recriar um aconchegante clima de anos 40.


As filmagens começaram no segundo semestre de 1979. Porém, muitos problemas atingiram a equipe de produção: o principal deles era a falta de um roteiro pronto (e precisava?). Os roteiristas eram obrigados a reescrever cenas o tempo todo, o que acabou afetando o trabalho dos atores. Outro problema foi o orçamento, antes modesto, e que acabou saindo do controle com a adição de grandes efeitos especiais, campanhas publicitárias excessivas (antes mesmo do término das filmagens) e a construção de um set que custou mais de um milhão de dólares.

Mesmo com as eventuais mudanças de rumo no roteiro, Xanadu não foi fruto de uma viagem de LSD de seus roteiristas (como pode parecer). Excessos à parte, foi baseado na história de um filme de 1947, Quando os Deuses Amam (Down to Earth), com Rita Hayworth no papel da musa inspiradora que desce à Terra e se apaixona por um mortal.

Com o término das filmagens, teve início um grande esquema publicitário, que envolveu desde programas especiais de Making Of na TV até lojas (como a C&A) vendendo roupas inspiradas nos figurinos do filme, revistas, pôsteres e outros badulaques. Porém, o que mais divulgou Xanadu foi sua trilha sonora, um enorme sucesso. A estréia nos Estados Unidos foi no dia 8 de agosto de 1980. Apesar de ter coberto seus custos, o filme não deu grande lucro por lá, mas fez boas bilheterias em países como Austrália, Japão, Alemanha e aqui no Brasil.

A crítica americana foi unânime ao classificar o filme como insosso e mal dirigido. O crítico Roger Ebert afirmou: "Xanadu é uma fantasia musical sem graça e fraca, tão sem substância que constantemente evapora sob nossos olhos". No entanto, com o passar do tempo e com os anos 80 voltando à moda, a crítica reconheceu o valor de Xanadu como entretenimento. O respeitado crítico James Berardinelli publicou uma crítica, 26 anos após a estréia do filme, dizendo que "Xanadu pode até não ter atingido as ambições originais de seu diretor mas, ao falhar tão espetacularmente, se tornou algo maior". Um reconhecimento mais que digno.

Olivia Newton-John
Xanadu ainda inspirou - junto com o filme do Village People, A Música Não Pode Parar (Can't Stop The Music) - John Wilson a criar o Troféu Framboesa. O curioso é que Olivia Newton-John recusou o papel principal feminino em A Música Não Pode Parar (que acabou sobrando para Valerie Perrine) justamente para estrelar Xanadu. Mas não houve escapatória: os dois filmes estrearam praticamente juntos e tiveram o mesmo destino: críticas péssimas, apesar das trilhas sonoras imensamente famosas. Sem falar no grande feito de terem originado o famoso Troféu Framboesa!

Após o fracasso do filme, pouco se falou sobre ele até o início de um revival dos anos 80, no começo dos anos 2000. A trilha sonora foi recuperada em festinhas do gênero e o filme caiu no gosto de diversas tribos: a dos fãs de filmes trash (por trazer efeitos considerados ingênuos e risíveis para os dias de hoje), os fãs de camp films (por trazer atuações, figurinos e roteiro exagerados), fãs dos anos 80 (por ser o grande marco do final da era disco e antecipar a estética da década) e dos GLS (por trazer a Olivia Newton-John no elenco e pela trilha sonora disco). Em 2007 o filme ganhou até versão na Broadway, imaginem só! Com ou sem patins, esse mundo dá voltas...

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