Apesar de fã confesso de Woody Allen, admito que o diretor já me entusiasmou muito mais em tempos passados. Lá pelos meus 19 ou 20 anos, eu assistia a filmes como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Interiores, Um Assaltante Bem Trapalhão e Manhattan sem parar. Não apenas esses, como vários outros também. Sempre o achei sensacional. Na segunda metade dos anos 90, os filmes foram me parecendo um pouco menos interessantes. Exceto por um ou outro (como Trapaceiros), minha empolgação com Woody Allen deu uma diminuída. Não que eu tivesse parado de assistir todos os lançamentos do diretor que chegavam aos cinemas, mas eles me pareciam meio repetitivos, não tinham mais aquelas sacadas geniais. Sei lá, talvez eu tivesse mudado.
No ano retrasado, ao assistir Vicky Cristina Barcelona, voltei a me entusiasmar com os filmes do diretor. Divertido, inteligente, cheio dos toques típicos de Woody Allen e mais: de alguma forma teve um ar de novidade. No ano passado, ao assistir Meia-Noite em Paris, voltei a colocar Allen em um pedestal. Achei seu filme mais sensacional dos últimos 15 anos, sem sombra de dúvida. No último fim de semana, em uma longa incursão pela videolocadora, me deparei com um filme de Allen que já conhecia de nome há muito tempo, mas nunca tinha assistido: Memórias (Stardust Memories, 1980). Nem sei se chegou a ser lançado em vídeo no Brasil. Não me lembro de tê-lo visto em parte alguma.
Não pensei duas vezes: peguei o DVD. E tive outra ótima surpresa porque, após muitos anos, me reencontrei com aquele Woody Allen do passado, aquele que tanto me fascinou no final de minha adolescência e que havia ficado lá atrás. O mesmo tipo de personagem que ele interpretara em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Manhattan e tantos outros estava em Memórias, cheio de questionamentos e tiradas hilárias. Ele faz o papel de um diretor de cinema que recebe um convite para uma mostra de seus filmes durante um final de semana, na qual será homenageado. Relutante, ele acaba sendo convencido a comparecer. Esse é o mote para uma série de lembranças surgirem, na forma de antigas namoradas.
Woody Allen interpreta um diretor de cinema em "Memórias" |
Projeto menor e menos conhecido de Woody Allen, Memórias brinca com o surrealismo e, ao mesmo tempo, revela-se o filme mais autobiográfico do diretor, embora ele sempre tenha negado. O que ele já declarou várias vezes é que, entre seus filmes, este (junto com A Rosa Púrpura do Cairo) é o seu favorito.
Memórias surgiu de uma resposta de Woody Allen à escritora Joan Didion, que havia escrito um artigo hostil sobre ele, e também da indiferença com que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tratara seu filme "sério" Interiores, dois anos antes. Isso explica o clima ácido – e satírico – com que o diretor retrata os críticos de cinema e o próprio público no filme. Em uma cena impagável, que mostra o personagem de Allen durante uma coletiva com a imprensa, uma repórter afirma: "Muita gente o acusa de ser narcisista". E ele responde: "Sei que acham que sou egoísta e narcisista, mas isso não é verdade. Na verdade, se eu me identificasse com algum personagem da mitologia grega, não seria com Narciso". "Com quem seria?", pergunta a repórter. Ao que ele responde: "Zeus".
Charlotte Rampling e Woody Allen em "Memórias" |
Memórias também foi o primeiro filme em que Allen utilizou músicas antigas na trilha sonora, fato que se tornaria uma marca registrada ao longo das décadas seguintes. Clássicos de Cole Porter (Easy to Love e Just One of Those Things) Glenn Miller (Moonlight Serenade) e a própria Stardust (cantada por Louis Armstrong), entre várias outras, estão deliciosamente espalhadas ao longo do filme. Até mesmo Brazil, de Ary Barroso, aparece cantada por Marie Lane.
Mas minha maior surpresa foi notar, logo no comecinho do filme, a então estreante Sharon Stone na primeira na cena. Fiquei intrigado e no final do filme tive a confirmação, era mesmo Sharon Stone fazendo sua estreia no cinema. A aparição é sem falas e não dura mais do que poucos segundos, mas a beleza de Stone é marcante. Para mim foi novidade. Eu não fazia ideia de que ela tinha estreado fazendo quase uma figuração neste filme. Aliás, por mais que digam que os filmes de Woody Allen são todos parecidos, para mim ele sempre será uma caixinha de surpresa.
Sharon Stone, quem diria, estreando em "Memórias" |
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