Fazer o filme mais caro do mundo, o que tem mais efeitos especiais, o
que levou mais tempo para ser filmado, o que concorreu ao maior número de
estatuetas do Oscar, o que teve a maior bilheteria da história... Tudo isso não
é tão difícil quanto fazer o "pior
filme de todos os tempos". Sim, porque para atingir essa categoria, não
basta produzir um filme propositalmente ruim e mal feito. Não se trata de fazer
uma 'caricatura de filme' e sim um filme pensado para ser sério, mas com
pouquíssimos recursos. E por isso mesmo, genuinamente ruim.
Em sua concepção, o diretor imagina a história perfeita, a narrativa, o
susto, o drama, o clímax... Mas colocar tudo isso em prática torna-se quase
inviável devido ao orçamento limitado (ou até mesmo inexistente). O que fazer
então? Agir como se nada disso fosse empecilho e seguir em frente. Reunir um
grupo de atores e atrizes amadores, escolher locações baratas ou gratuitas e
montar uma pequena equipe. Provavelmente composta por amigos ou simplesmente
apaixonados por filmes de baixo orçamento.
Esse foi o mote do americano S. F. Brownrigg (1937-1996), que nos anos
70 dirigiu e produziu algumas pérolas trash do terror psicológico. Filmes de
produção amadorística, com baixíssimo orçamento e altíssimo potencial para
manter o público tenso. Cineasta independente e adepto do 'faça você mesmo',
Brownrigg fez filmes bastante peculiares, marcados por uma atmosfera taciturna,
pesada, de suspense psicológico, tramas obscuras e viradas surpreendentes,
salpicadas por cenas bem sanguinolentas.
Brownrigg fidelizou sua legião de admiradores logo na estreia, com Don't Look in the Basement (1973), que
rapidamente adquiriu status de cult e fez enorme sucesso nos circuitos
americanos de drive-in no começo dos anos 70. No filme, uma jovem enfermeira
psiquiátrica consegue emprego em um manicômio afastado e sombrio. Lá ela passa
a ter contato com os vários tipos de demência e desequilíbrio dos pacientes.
Uma série de assassinatos brutais tem início e a pobre jovem precisa tentar
ajudar os pacientes enquanto protege a própria vida.
Logo depois, em 1974, veio Scum of
The Earth (também conhecido como Poor
White Trash 2, embora não seja continuação de outro filme!). Um jovem casal
recém-casado vai passar uns dias em uma cabana na floresta. Mal chegam e o
rapaz é misteriosamente assassinado com um machado. Em pânico, a moça sai
correndo pelo bosque e acaba indo parar em um casebre onde vive uma família
estranhíssima. O socorro à jovem é sempre adiado, até que ela se dá conta de
que corre, de fato, mais perigo do que se estivesse perdida na floresta. Aliás,
foi justamente esse filme que Jeff Dickerson, crítico do jornal Michigan Daily,
considerou o pior de todos os tempos. A crítica, publicada em 2001, dizia,
entre outras coisas:
"Você gastaria melhor o seu tempo se assistisse a um bloco de gelo descongelando no micro-ondas"."A equipe parece ter feito grande parte da iluminação usando lanternas para iluminar os personagens. Pouquíssimo pode ser visto das locações, possivelmente devido às limitações no orçamento. É como se o diretor tivesse usado sua própria casa para a maior parte das filmagens enquanto sua mãe estava no supermercado (...)"
Em 1975 foi a vez de Don't Open
the Door, menos impactante que os dois primeiros, mas não menos sombrio. A
história gira em torno de uma neta prestativa e atenciosa, que volta para casa
a fim de tomar conta da avó idosa. É quando ela percebe que está encurralada na
casa, onde também está um maníaco homicida.
O último trabalho desse gênero foi o soturno Deixe Minha Sepultura Aberta (Keep
My Grave Open / The House Where Hell
Froze Over, 1976), de ritmo bem mais lento que seus anteriores. Lesley é
uma mulher retraída que vive em uma propriedade rural isolada. Em sua casa,
visitas não são bem-vindas. Atormentada pela relação conturbada com Kevin – o filme
não deixa claro se ele é seu irmão ou amante – Lesley demonstra cada vez mais
descontrole emocional. Paralelamente, um homem mata brutalmente todos que se
aproximam da casa. Apesar de arrastado, o filme é intrigante e angustiante. (Foi
o primeiro filme dos filmes de Brownrigg que assisti. Costumava ser reprisado
nas madrugadas do SBT e outros canais, no final dos anos 80/começo dos 90. É,
sem dúvida, meu favorito.)
Jornal do Brasil, 18 de fevereiro de 1988 |
O diretor realizou seu último filme, a comédia Thinkin' Big, em 1986. Sua carreira de cineasta amador minguou e Brownrigg
migrou então para a TV, indo trabalhar em programas esportivos como transmissões
de jogos de golfe para a ESPN, assim como vários programas sobre caça e pesca. Um
grande desperdício, dado seu talento para dar vida a alguns dos personagens
mais bizarros e atormentados do cinema trash independente. S.F. Brownrigg
morreu aos 58 anos em Dallas, Texas.