Nova York, final dos anos 70, começo dos 80. A era disco está chegando ao fim. Um grupo de jovens bate ponto em uma badaladíssima discoteca da cidade. Lá eles dançam, se divertem e conversam. Aqui no Brasil o filme, de 1998, recebeu o título bem cafona de "Os Últimos Embalos da Disco", mas não pegou. O título original, The Last Days of Disco, é o que prevalece. Mas é um filme que poucos assistiram e quase ninguém por aqui conhece. Na época ficou reduzido a circuitos de cinema alternativos. O título longo e em inglês também dificultou um pouco o acesso a essa pequena obra-prima do diretor Whit Stillman. Muitos pensaram que o filme seria sobre a história do Studio 54 ou das discotecas, mas a disco é apenas o pano de fundo para os dramas urbanos de um grupo jovens. E é justamente perto do fim do filme que um dos personagens, Josh (vivido por Matt Keeslar), tem uma das falas mais interessantes da história:
"A discoteca nunca vai acabar. Viverá para sempre em nós. Algo assim, grandioso e importante, nunca vai morrer. Por alguns anos será considerada ultrapassada e ridícula. Será mal representada e caricaturada ou, pior, ignorada. Vão rir de John Travolta, Olivia Newton-John, ternos de poliéster brancos, sapatos plataforma e disso! [gesto que Travolta faz no filme Saturday Night Fever, em que estica o braço direito para cima, apontando alto]. Não tivemos nada com essas coisas e ainda assim amamos a disco. Alguns jamais vão entender. A discoteca foi muito mais que isso. Foi muito legal e divertida para desaparecer para sempre. Vai voltar algum dia. Só espero que estejamos vivos".
Em meu livro Made in Suécia - O paraíso pop do ABBA (http://www.paginanova.com.br/abba/livro.htm), falo brevemente sobre o surgimento e a influência da era disco na cultura de massa:
Na metade da década, o mundo da pretensão havia chegado ao rock e alguma coisa nova precisava surgir. Violento e rebelde veio o punk, que nasceu, a partir de 1976, das críticas da juventude proletária inglesa à sua própria falta de perspectivas. Sex Pistols, The Clash, Dead Kennedys, Elvis Costello: os ídolos do movimento recuperaram a batida primária e despreocupada das bandas de meados da década de 1960. Johnny Rotten, o líder do Sex Pistols, não poupava os roqueiros da época – como Elton John e Rod Stewart – que apelidara de "palhaços capitalistas".
Mas o movimento importante dos anos 70 – e na época maldito para os roqueiros – foi mesmo o das discotecas. Na esteira do filme Os Embalos de Sábado à Noite surgiram as discotecas e a música passou a ter um só objetivo: fazer dançar. Village People, Donna Summer, Gloria Gaynor, Chic, Boney M. e Bee Gees foram alguns dos grandes nomes. E como a base do som das discotecas vinha de músicas de estúdio, as gravadoras lucravam.
Enquanto na Inglaterra o movimento punk, das roupas de couro preto e dos cabelos quase raspados contestava, com violência, os valores da sociedade do país, nos EUA pop virou sinônimo de disco music. Feita para as pistas de dança das discotecas, a disco celebrava o amor e a alegria, utilizando-se da eletrônica com maior intensidade e por vezes até ousando.
[...] A verdade é que os roqueiros odiavam e os “músicos sérios” torciam o nariz para a disco music, mas o fato é que ela foi em frente e teve grande influência sobre a música pop dos anos 70, a ponto de se tornar parte da cultura de massa [...].
Mesmo com as eventuais críticas negativas, a disco conseguiu fazer a cabeça até dos "músicos sérios". Exemplos não faltam: David Bowie e seu Station To Station, de 1976 (com Golden Years), Rod Stewart e seu álbum de 1978, Blondes Have More Fun, com o hit Da Ya Think I'm Sexy? (inspirado em Jorge Benjor!) e até o Blondie com Parallel Lines (que originou seu maior sucesso, Heart Of Glass), também de 1978.
Bem, citei The Last Days of Disco e falei tudo isso para mostrar que não, não é pecado gostar do som discothèque. E há muita coisa boa sim, nem tudo foi lixo. É um erro tentar achar uma justificativa para o movimento disco. Não há causas políticas, nem revolucionárias, nem sociais e nem humanitárias. É puro hedonismo mesmo. Diversão descompromissada e nem por isso menos divertida. A fala do filme que coloquei aqui expressa muito bem isso. Portanto não se acanhem. Costumo dizer que Travolta é um estado de espírito. E espírito não tem data nem idade. Dance, dance, dance!